Capítulo 14 - Antes

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É vazio e silencioso do jeito que universo deveria ser. Apenas dirijo por estradas desertas, onde ocasionalmente vejo alguma criatura da floresta passar pela rua. Nunca dirigi tanto, e olha que não faz quarenta minutos desde que decidi que permanecer perto do arquivo recém abandonado era uma má ideia. A neblina traz a quietude da manhã aos poucos. "Aqui o mundo é sereno", repito mentalmente; hoje parece tão assustador. Não é sobre paz e tranquilidade. É sobre o silêncio aterrorizador no meio de um incêndio. Onde todos se enfraquecem e se calam subjugados pelo poder do fogo. Não há mais o que salvar. Acho que sou uma Baudelaire sem irmãos, sem ideias brilhantes e coisas assim. Ai meu Deus, estou surtando! Queria poder abrir a janela, mas a cabeça de Ricky cairia para fora do carro. E isso é uma droga.

Tento apenas prestar atenção no funcionar do motor enquanto o carro me leva para casa e a respiração cadenciada de Ricky. Ah, droga! Eu quero mesmo joga-lo para fora do carro. Alguma hora ele descobrirá a merda que fez. Tento não sentir medo. Me mantenho ereta, encostada no banco do motorista, segurando firme. Quando o corpo retornar para praia todos irão saber. Agir normalmente talvez ajude de alguma forma. Deveríamos ter usado um barco; todos usam a porra do barco. Até o xerife de Bates Motel sabia disso e usou um barco. Polo amor de Deus, o que estou fazendo aqui? Eu deveria ter colocado fogo em tudo.

Não é hora de surtar.

Ligar o rádio não é uma opção interessante: acordaria meu passageiro inconveniente, e logo o locutor contaria toda a verdade, sobre o corpo encontrado boiando na praia. Talvez seja o baseado da madrugada, mas como essa não pode ser uma situação engraçada? Aposto que tubarões gostam de bacon. Ele mereceu e não vai mais me machucar. A Tique, a deusa, deve estar do meu lado, não é? Não que um dia eu tenha acreditado nessas coisas. Mas ali teria sido a hora da minha morte. Então eu estou aqui, fugindo disfarçadamente da polícia; indo na direção errada. Já fazem duas horas desde que resolvi pegar no volante. Ótima hora para pensar em mitologia, ein, Erin! Desde que resolvi telefonar para a Srta. Strauss avisando que iria demorar um pouquinho mais, logo em seguida garantindo-lhe que enxeria o tanque e que não, eu não estava fugindo de casa. Mas deveria.

Estaciono o carro enfrente a uma casinha vitoriana no final de uma rua arborizada. Não entendo como Ricky ainda consegue dormir tanto em uma posição tão incomoda. Três horas eternais dirigindo parecem ter criado escaras na minha bunda. Eu nunca tinha dirigido tanto. Não faria diferença para mim se Ricky se fundisse com o banco de couro e ficasse lá para sempre. A testemunha tagarela seria silenciada facilmente — uma pena eu não saber como faz. Dou de ombros, pegando um pacote de amendoim comprado na entrada da cidade; retiro a chave da ignição, para poder voltar para casa quando terminar. Por enquanto desejo que Ricky permaneça com o seu sono de coala. Sua companhia poderia me atrapalhar. Com certeza atrapalharia.

Atravesso a rua sem olhar para os lados. Isso deixaria minha mãe irritada. Mas ela não parece se importar o suficiente. É uma pena que nenhum carro tenha me impedido de esmagar o gramado bem cuidado; ignorando qualquer sentimento de culpa e desviando de brinquedos que se escondem entre a grama. Paro diante a porta e toco a campainha que já me deu um choque quando eu tinha dez anos. Parece cedo o suficiente para não terem saído para trabalhar. Pais de crianças acordam cedo, e mais cedo ainda quando são dois. Por que sempre tem que ser uma madrasta mais jovem e por que sempre tem que ser gêmeos? Ouço passos na escada, ajeito o cabelo atrás da orelha e passo a mão para que não pareça tão arrepiado; sorrio e espero que minhas olheiras não sejam tão incomodas.

A porta se abre antes que eu decida se devo ou não perguntar o motivo de nunca mais ter me ligado. Mas é ela com seu cabelo castanho claro brilhante. Quero muito não parecer desapontada, mas isso exige bastante de mim. Blair fala o meu nome e me abraça. Credo! Ela cheira tão bem. Sempre achei muito esquisito ela parecer tanto com a minha professora de piano, quando eu tentava aprender piano. Ela é tão jovem e tem um sorriso bonito. Eu não deveria odiá-la. Blair parece até um pouco feliz em me ver.

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