As roupas de Gwen me incomodam um pouco. Apertam um pouquinho aqui outro bocado nas coxas, mas é o que tem para usar enquanto a sra Whalen providencia novas roupas para mim. Sentada no mármore gelado, meus pés não encostam no chão; balanço as pernas para espantar o frio. Logo terei que voltar para casa dos Whalen. Já faz um mês ou quase desde que faço o papel de hospede prestativa e feliz, para tentar mascarar o desconforto. Todos os dias me levanto da cama de baixo do beliche sem fazer barulho. Caminho até o banheiro do quarto de Gwen e escovo os dentes com a escova comprada pela mãe dela. Visto as roupas de Gwen ainda no escuro, desembaraço os meus cabelos com a sua escova e saio do quarto sem fazer barulho. Todo os dias desço a escada direto para simulação, onde sou parte da família e não um incômodo. Pela maior parte do dia sigo anestesiada pela ocupação, só que quando chega a noite... droga! Eu odeio a noite.
Aprecio o céu vagarosamente vai sendo pintado de laranja. Logo terei que voltar, antes que alguém me descubra. Abraço meus joelhos junto ao peito; tenho mais medo de ser pega vindo ao cemitério do que do próprio cemitério. Não tenho muita certeza se é desrespeitoso me sentar em uma lápide, mas não acho que a tia Marla vá se importar muito. Um suspiro de saudade me escapa. Ah, como eu queria que ela estivesse aqui, ou que pelo menos a sua casa não tenha sido vendida anos atrás. Ela sim saberia o que fazer. Não eu.
Quando fui obrigada a voltar à escola na semana passada. Primeiro li seu nome escrito em uma placa de homenagem, e depois fui chamada na sala de orientação educacional e não havia mais o seu nome na porta assim como na sala da secretaria. Estar de volta, andar pelos corredores, depois sentada em uma sala pequena, encarar outra conselheira estudantil que claramente não era ela. Cara, isso me deu uma saudade desgraçada. Queria muito poder ouvir sua voz me ajudando a organizar toda essa bagunça. Estar aqui, acompanhada dos mortos me ajuda a pensar direito. É paz, eu acho.
Mas já é a hora de ir embora. Guardo a lanterna e o celular no bolso interno da parka, fechando-a depois. Já está claro o suficiente para dispensar a luz artificial; logo a mãe da Gwen terá levantado. Preciso estar pelo menos por perto quando ela abrir a porta. Me afasto do cemitério e começo a correr; são apenas dois quilômetros. Eu sei que deveria sentir medo de andar pela madrugada sozinha, deveria ter medo de ficar sozinha em um cemitério também. Mas sei lá, o que mais me pode acontecer agora? Deixa-me ver... Nada, pelo visto.
Abro a porta devagar e sinto cheiro de pão assando. Minha mão congela na maçaneta por alguns segundos. Droga, fui pega! Respiro fundo e decido entrar. Não é que eu tenha muita escolha. Guardo minhas botas na sapateira em silencio. Posso ouvir o liquidificador funcionando na cozinha. Penduro a parka junto dos outros casacos e sigo andando entre as paredes pintadas de turquesa. Eu poderia dizer que estava só caminhando, não é? Não há nada de errado sair para caminhar de manhã cedo, mesmo que seja as seis da manhã. É o que eu acho, pelo menos.
Entro na cozinha cabisbaixa. Não consigo pensar em algo para dizer. Vejo a sra. Whalen tirar uma forma cheia de pãezinhos do forno. Ela não me viu ainda, está de costas para mim. Pelo menos não me viu entrar, se eu não falar nada vai ficar bem. Certeza. Sento-me em um banquinho de metal e apoio os cotovelos no balcão frio. Não digo nada. Qualquer coisa que sair da minha boca agora soará forçado.
— Bom dia, Erin! — ela fala ao me ver.
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DeBrassio
FanfictionErin desconfia, mas não sabe a verdade completa que assombra sua vida comum. Quando sua mãe desaparece, a garota é exposta a uma realidade assustadora. Ela precisa de respostas e apenas Raymond Reddington pode responde-las.