Capítulo 12 - Antes - Parte 2

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Não deveria ter me permitido chorar desse jeito, agora mais brechas surgirão e vai ser mais difícil de controlar. É mais fácil de respirar agora; mas ainda é um segredo que não vai mais me devorar sozinha, levará Ricky comigo, mas a culpa cairá unicamente em mim. Há silêncio e mais silêncio, como tem sido nos últimos dias. Com a cabeça encostada no mármore frio, espero o chá que ele prometeu fazer. Os Whalen não tomam café, nem leite e um suco é frio não vai me ajudar a parar de tremer. Um chá também não resolve nada, mas Ricky insiste em fazer; quase deitada na mesa de jantar percebo que há algo de errado. Observo os músculos dançarem em suas costas enquanto lava a louça suja do jantar, eu presumo. Gwen me mandaria parar de olhar tanto para o seu irmão. Mas é hipnotizante. Eu nunca tinha reparado que as costas dele eram tão fortes. Ele pergunta sobre as marcas no meu pescoço. Não consigo pensar em um jeito de explicar, apenas desvio o olhar para as duas canecas fumegantes perto de mim, consigo sentir o calor no meu braço. Tem cheiro de anis-estrelado e maçã. Eu quero dizer alguma coisa; o silêncio é confortável, porém a cada segundo se torna tão opressivo.

Sento-me direito na cadeira e encaro o mármore branco. Olhar para Ricky sem camisa só está deixando as coisas mais complicadas para mim, eu não consigo pensar direito. É possível isso seja um jogo para me entregar à polícia; quem sabe ele não acreditou em mim quando eu falei que alguém morreu e vai me entregar por invadir o colégio. Começo a me levantar e vou tirando o casaco que me emprestou. É bem a cara dele, debochar de mim mais uma vez. Eu não deveria ter vindo para começar a história. Ricky não passa de um sacana pronto para me fazer de idiota. Mais uma vez. Não suporto mais ficar nesse lugar, com todas essas paredes pintadas de azul turquesa com todas essas coisas de família feliz.

— Espera Erin, não vai agora! — exclama ele, vindo à minha direção. Eu o ignoro e continuo em passos rápidos pelo corredor. Não quero olhar para as fotos pendurada na parede; eu sei que vou estar em alguma delas sorrindo. No fundo sou parte da família também, pelo menos eles não teriam me deixado sozinha. Ricky segura meu braço antes que eu consiga chegar à sala.

— Deixa de ser doida e dramática, fica aqui. Vem conversar direito — segura meu outro braço e me obriga a olhar para ele — você estava falando sério, entrou mesmo alguém na sua casa?

— claro que tem, seu idiota. Ou você acha que eu viria aqui só para inventar isso tudo — tendo sair e falho, ele segura forte, não para me machucar talvez. Ricky levanta as sobrancelhas esperando uma resposta melhor, provavelmente. Seus olhos castanhos estão arregalados, evidenciando olheiras das madrugadas inteiras jogando. Procuro me afastar, não dá para ficar aqui parada enquanto alguém apodrece no meu porão.

— Você é a pessoa mais criminosa que eu conheço. Agora me solta eu tenho que ir.

— Está dizendo isso só porque eu tirei a sua virgindade e você não gostou? — Ele ri ainda me segurando. Eu não consigo mais encará-lo. Não estou surpresa, é só Ricky sendo ele mesmo e eu sendo naturalmente estúpida. Há mais de seis meses eu pensei que poderia confiar nele e hoje, cometendo o mesmo erro, meu rosto queima de vergonha. Isso não está certo, preciso ir embora.

— Não, Enrique, estou dizendo por causa da criatura nojenta que você é — consigo me soltar e viro de costas — sei que você pode esconder o corpo de alguém sem ficar com a consciência pesada. Porque nem isso você tem, né.

— Agora você pegou pesado — dessa vez apenas coloca a mão no meu ombro e continua — você quer que eu te ajude a sumir com o corpo?

Claro, que sim, mas não digo em voz alta. Uma vez prometi a mim mesma que nunca mais chegaria tão perto. É melhor ignorar isso tudo e ir embora porque já passei vergonha demais por ter me permitido chorar. Não tenho ninguém para confiar, vou resolver eu mesma. Travesso a rua, com os braços cruzados para me proteger do vento. Minha casa ficaria melhor se um furacão arrancasse daqui, apagaria todos os vestígios e ninguém me culparia. Eu só preciso pegar algumas coisas e depois ir embora. Abro a porta destrancara e pego a mochila do chão, onde abandonei antes de sair. Paro apoiada na porta fechada; a sala parece imaculada, ainda cheirando ao aromatizante de vanilla. Onde minha mãe deve ter estado uma ultima vez antes de me deixar aqui, antes de deixar um marido violento e um homem morto do porão. O que mais falta acontecer agora, pegar fogo e destruir tudo? Seria maldade se não me levasse junto também.

DeBrassioOnde histórias criam vida. Descubra agora