Nós nunca gostamos do Shawn. Eu poderia ter seis ou sete quando minha mãe o trouxe para casa pela primeira vez. Laurel não gostou nem um pouco. Eu só achava legal quando ele trazia ursinhos e sorvete de baunilha. Tá, ele nos levava no carrossel, mas sua cara quando o interrompíamos era feia. Dava um pouquinho de medo. E agora ele corta o tomate em cubinhos com precisão, e em breve cortará a cebola, a pimenta e a carne. Vai despedaçar a carne e ela vai bem pequeninha, e depois que comermos ninguém vai se lembrar que um dia já foi um ser vivo algum dia. Tá, Erin, chega de viagem! Mas é desconfortável, por mais que eu tente ignorar o medo, não tem como. Não tem como. Eu estou numa casa sozinha, com meu padrasto que na real, nunca gostou da minha presença. Eu sinto medo agora. Mas pelo menos ele comprou os ingrediente para preparar burritos. Nossa única opção para um domingo à noite.
Observo-o pelo canto do olho enquanto seguro a frigideira que em instantes refolgará tudo em fogo baixo e logo depois recheará as tortilhas pré-cozidas, trazidas do mercado por ele hoje de manhã. Eu o evitei desde que voltara para casa, na segunda-feira. Poderia ter sido na terça, eu acho. Mas enfim, não consegui dormir na casa dos Whalen essa noite. Gwen disse que não seria muito legal porque a mãe dela iria dormir em casa essa noite. Provavelmente a mãe dela vai fazer perguntas demais; como está minha mãe? Porque eu vou estar dormindo fora? Bem, eu não sei. Mas é domingo, tudo bem dormir fora no domingo, não é? Pelo menos é melhor do que dormir sozinha em casa, com um homem no quarto ao lado. Minha mãe não iria gostar muito da ideia. Então por que ela foi embora e me deixou aqui mesmo? Ela não parece ter pensado muito bem antes de sumir e levar a comida toda junto.
Não quero parecer intimidada; seguro o cabo da panela com firmeza enquanto termino de dourar as últimas tortilhas. Isso não é legal. Não é nem um pouco legal. Talvez eu tranque a porta do quarto antes de dormir. Vou dar duas voltas na chave e vou deixar a janela trancada também. Olha só como ele corta a carne. Ai meu Deus, ele está sorrindo. Coloco a última tortilha em um prato e a cubro com papel toalha. Depois de ter gritado comigo naquele dia, ele não disse nada à respeito. Nem mencionou a comida desaparecida também. Agora ele corta a pimenta em tiras bem finas, com a mesma precisão que poderia fazer tiras com a pele de alguém. E se ele tiver a apunhalado pelas costas com essa mesma faca de aço inox. Ela pode estar fatiada no fundo de um canal de esgoto da cidade. Mas calma, Erin! É claro que ele não a matou, caso contrário teria feito o mesmo com você.
Seu celular toca e sem terminar o que está fazendo ele o pega do bolso e se vira para mim.
— Não desliga aí — ele diz —eu já volto para gente terminar.
Então ele sai pela porta do fundo e eu permaneço segurando o cabo da panela, ainda em cima do fogão. Eu já tinha desligado, na verdade. Mas vou ter que acender de novo. Não quero que Shawn grite comigo de novo. Dá para vê-lo pela janela. Seus passos inquietos de um lado para o outro do lado no gramado me deixam desconfortável. Não tem como ouvir a conversa daqui, entretanto, seus gestos nervosos denunciam uma maré de descontentamento a caminho. Incriminam o que pode ser verdade. Então ele para; nossos olhos se encontram ao atravessar o vidro. Sob a luz da lua e da lâmpada fraquinha em cima da porta eu vejo; a fúria escorrendo pelos poros.
Depois de se casar, Laurel gritou com a minha mãe. Todo mundo ouviu quando ela disse que Shawn era um homem mal intencionado, insensível e nefasto. Nefasto, palavra engraçada. Nós ouvimos e Gwen riu comigo. E de fato, minha irmã estava certa. Nós deveríamos ter escutado, porque a medida que ele se aproxima da porta, com seus olhos fixos em mim, deixando o celular esmigalhado para trás. Eu me afasto do fogão e me agarro com mais força ao cabo da frigideira. A porta é aberta com tanta força que bate com força na parede.
E é o meu pescoço a primeira coisa que ele aperta. Meu braço despenca ao lado do corpo. Sinto minha saia derreter com o calor da janela se fundindo com a minha pele. Não dá para respirar direito, eu não consigo pensar direito. Ele vai me matar. Pelo amor de Deus, alguém me explica o que está acontecendo.
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DeBrassio
Fiksi PenggemarErin desconfia, mas não sabe a verdade completa que assombra sua vida comum. Quando sua mãe desaparece, a garota é exposta a uma realidade assustadora. Ela precisa de respostas e apenas Raymond Reddington pode responde-las.