🌪 02: Lar doce lar

70 3 23
                                    

— Bom dia. – cumprimentou secamente ao abrir a porta de maneira abrupta, as palavras polidas em desacordo com o seu semblante irritadiço. Jogou apressadamente a bolsa sobre a mesa longa de madeira, sentindo os olhares dos que estavam ao redor da mesma queimarem sobre si.

— Seis minutinhos atrasada? — ouviu a voz em contralto de Angeline, em seu habitual tom bem-humorado — Achei que tivesse sido sequestrada no estacionamento!

Katrina a encontrou sentada na cadeira ao lado e a encarou sem humor, vendo os olhos entusiasmados e o sorriso aberto de Angeline encarando-a alegremente. A moça levantou o corpo esguio e puxou Katrina para um abraço apertado, o qual a morena recebeu com resignação. Não podia ir contra a personalidade açucarada da mulher de chocolate à sua frente.

Um lindo cabelo crespo e sinuoso emoldurava seu rosto iluminado pelos olhos castanhos que transmitiam aconchego e formalidade na medida certa. Ela trajava um vestido rodado cor de canário que se complementava com sua pele negra, e Katrina ouviu as pérolas de colar de Angeline tilintarem ao serem amassadas fervorosamente contra o seu colo durante o processo de esmagamento.

Volt soltou uma gargalhada gostosa ao observar a situação. Sabia que a morena não era muito dada a afagos, e vê-la se submetendo às recorrentes e intensas demonstrações de afeto de Angie era impagável. Ele cutucou Tina fortemente, vendo que a tatuada encarava a cena com desgosto através dos olhos puxadinhos. Estendeu a mão para ela, que rolou os olhos quase que imediatamente.

— Não acredito que ela aguentou por mais de cinco segundos. — Tina resmungou, se contorcendo de maneira nada graciosa na cadeira para retirar um punhado de moedas do jeans rasgado e jogá-lo relutantemente na mão biônica e espalmada de Volt.

Katrina se livrou do abraço com certa dificuldade, se reconfortando na cadeira logo em seguida. Correu os olhos para as beiradas da mesa, e parte de sua irritação matinal se esvaiu.

Era bom estar de volta.

A poderosa cadeira da ponta na qual estava sentada, vazia desde sua partida, lhe ofereceu uma visão ampla da mesa. Não se deixou abalar pelo sentimento melancólico que o assento vazio à sua esquerda lhe invocava: seus olhos seguiram fazendo uma faixa panorâmica e caíram sobre Volt, que havia se rotado alegremente para Sophia e vibrado com a pequena vitória. A sardenta maneou a cabeça, reprovando seu espírito esportivo e seus hábitos alimentares matinais um tanto quanto inapropriados. Ele apenas guardou o montante no bolso e tornou a desembalar o hambúrguer em sua mão, enquanto achava graça do tom de voz baixo e polido que a ruiva usava para repreendê-lo por sua postura infantil em reuniões de equipe.

Linux, por sua vez, parecia totalmente alheio à chegada de Katrina, aos sermões de Sophia, aos resmungos de Tina, aos gritinhos abafados de Angeline e ao tamborilar de dedos da mãos de Volt sobre a mesa, focando toda sua atenção no notebook de última geração à sua frente.

Algumas coisas nunca mudam.

Examinou a mesa de madeira negra e sólida, ocupada apenas por algumas folhas de relatório jogadas com certo desleixo e por um maço de Dunhill que se misturava em meio aos arquivos soltos. Desviou com reprovação os olhos para outro foco, uma vez que aqueles cigarros pertenciam, obviamente, à Tina Tai. A asiática sentiu o olhar de Katrina cair sobre si, dando uma risadinha sórdida em resposta.

Enquanto ela o fazia, o sorriso pretensioso, colocado em uma mandíbula oval e confiante, se alinhava seus olhos pretos, que brilhavam o orgulho que só uma advogada do diabo poderia ter. O piercing metálico colocado no septo do nariz achatado e largo lançou uma sombra em seus lábios finos, que se curvaram em uma linha reta e reflexiva. Katrina arqueou a sobrancelha bem delineada: conhecia a mulher por tempo suficiente para afirmar que a asiática estava formulando um argumento irrefutável para sair por cima.

E N I G M AOnde histórias criam vida. Descubra agora