🌪 12: Vigiada

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Passou pela trava da porta, ouvindo com prazer o estalo que ela fazia ao se encaixar. Permitindo que a sensação a anestesiasse, tirou o salto alto, e atirou a bolsa sobre a mesa da sala de estar. Desarmou a Glock 18 do coldre, cruzou o tapete branco felpudo e pegou o controle do ar condicionado central, ligando-o em uma temperatura razoavelmente fria, ainda com o objeto metálico em mãos.

Céus, como fazia calor em Washington DC na primavera.

Havia escolhido aquele apartamento na 801 Pennsylvania Ave NW justamente por não absorver tanto a energia do sol durante o dia, além de ser próximo ao trabalho e o mais seguro e confortável que ela pode achar. Adorava combinar suas necessidades com suas preferências pessoais, de maneira que pudesse exercer controle sobre tudo que a cercava. Estava certa de que, apesar do sistema de segurança ser quase impenetrável, uma equipe de segurança especializada tinha convênio com aquela rede de edifícios e estaria sempre disposta a socorrê-la em emergências. Afinal, incerteza era algo que ela não tolerava. Gostava das coisas vistas e colocadas sob a perspectiva da clareza. Talvez por isso mesmo, havia optado por mobiliar o apartamento todo em tons de branco e creme. O branco límpido dos tapetes e das paredes, uma cor pura e fria, se complementava com o bege do sofá e das poltronas, aquecendo-a com suavidade.

No quarto, ela guardou a arma na primeira gaveta de sua cabeceira, ritual que cumpria com rigor quase religioso. Depois de se dirigir até o banheiro, apoiou os braços sobre a pia de mármore, jogando água no rosto para se olhar no espelho pela primeira vez desde que havia batido com a cabeça na janela do carro após a manobra estúpida de Hauptmann. Deus, ela podia ver o pequeno edema em sua têmpora esquerda, o inchaço debaixo dos olhos verdes, os cabelos negros totalmente despenteados e a palidez se espalhando por seu rosto cansado. Sentia-se acabada. Exausta, dolorida, esgotada, mas também... faminta.

Depois de tomar uma ducha, vestiu uma camisola e caminhou até a cozinha, sentindo seu TOC ronronar em satisfação ao se deparar com um local impecavelmente arrumado e limpo.

Enquanto esperava que o macarrão dourasse no fogo baixo, se pôs a procurar o vinho tinto que acompanharia aquela refeição. Após alguns minutos, colocou a massa no prato, decorando-a delicadamente com algumas ervas e com bacon.

Sentindo o cheiro de uma obra gastronômica fresca e convidativa. Sentou-se com sua refeição no bar, devorando-a enquanto ouvia uma boa velharia no rádio central. Bobby Darin nunca a decepcionava.

Do lado de fora, a cidade de Washington DC fervilhava em crueldade, mas ali dentro, lacrada naquele simulacro de segurança, se sentia imune ao mundo de horrores que a cercava.

Após lavar a louça, foi até seu quarto, onde apagou as luzes e se permitiu cair na cama antes de ser devorada pela escuridão do sono profundo.

Foi então que seu subconsciente, de repente, despertou. Olhou ao seu redor e se reconheceu entre dunas brancas e gélidas, um deserto amplo em cor de neve. Ao estreitar os olhos, entretanto, viu uma figura embalada por panos negros se aproximar. Os pés descalços de Katrina arderam em uma necessidade voraz de ir em de encontro à criatura pálida e fraca, sentindo uma corrente gélida percorrer seu corpo a cada passo que dava em direção ao seu destino. Pararam, cara a cara, e Katrina examinou o ser com curiosidade. O capuz preto lhe cobria metade da face, mas seus olhos opacos se revelaram de imediato. Os lábios secos lhe lançaram um sorriso presunçoso. "Por que você não veio mais cedo?", a figura sibilou. Como em um renascer súbito de consciência, Katrina percebeu. Ela estava olhando para a Morte, e a Morte estava olhando para ela de volta.

Acordou com um sobressalto às quatro da manhã, sentindo com nitidez a presença da criatura fúnebre que lhe assombrou em seus sonhos.

O coração estava acelerado, e a camisola, encharcada de suor. Uma gota escorreu lentamente entre seus seios. Tinha ouvido um ruído? Uma vibração anormal? Não ousou mover um músculo, mantendo abertos os olhos que não tinham utilidade alguma na escuridão da noite. Ela ouviu o chiado da geladeira da cozinha, o barulho do ar-condicionado do vizinho gotejando sobre o seu. Reuniu sua coragem, tateando silenciosamente sua cabeceira à procura da arma. O ruído da gaveta sendo aberta a fez xingar em pensamento, mas bastou sentir a superfície metálica se encaixando em sua mão esquerda para que seus horrores imaginários fossem afugentados. Caminhou sorrateiramente de cômodo em cômodo da maneira que havia aprendido em seu treinamento de base. Quarto, banheiro, escritório, cozinha, sala de estar. Ela estava revistando o próprio apartamento com a habilidade e frieza que só se requere após muito tempo de treinamento militar. Repetiu o ritual duas, três, cinco vezes. E nada.

Só então, se permitiu suspirar aliviada. Seu racional havia voltado a falar mais alto. Em seu estado de torpor, sua impulsividade a fizera acreditar que estava em risco. Mas sabia que nada ali poderia inspirá-la medo. Alarme de segurança sofisticado, edifício protegido, saídas bem trancadas. Ela levantou a camisola, tateando os dedos pela coxa esquerda.

O caso dos 59, pensou.

Sentiu as bordas irregulares da cicatriz arderam em sua mão. Santiago Sarmiento, o homem que havia invadido sua casa há sete anos atrás e feito aquela monstruosidade, estava preso. Sacudiu a cabeça com relutância, cobrindo a marca com o pano de seda quase que imediatamente. Santiago estava condenado a um presídio de proteção máxima. Seu destino já havia sido selado, e não haveria nada que ele pudesse fazer com ela agora.

I.N., entretanto, deixou claro que havia voltado... voltado por ela.

Não deixe eles te vencerem. Não ouse deixar eles te vencerem.

Estava ensopada de suor, mas não havia tempo para maiores formalidades. Precisava voltar para o trabalho. Juntou os cabelos em um rabo de cavalo alto e foi até o banheiro, usando a água da pia para lhe refrescar o rosto e fazer sua higiene. Procurou por um conjunto social qualquer, aproveitando o salto que havia deixado na entrada para complementar a roupa que usava. Pegou sua Glock 18, ajustando-a no coldre e vestiu um blazer preto por cima.

Jogou a bolsa por cima do ombro e trancou a porta, mas não sem antes pegar uma garrafa de café que lhe acompanharia no curto trajeto até o edifício do FBI.

🌪

Novamente, termino o dia no encalço dela.

Ela não dá o menor sinal de que me percebe, embora meu carro alugado seja visível da porta de seu prédio, cercado por câmeras de circuito fechado e arame farpado. 

Exatamente como se espera que a residência de uma das agentes mais notáveis do FBI esteja protegida.

A uma distância cuidadosa, observo-a conduzir seu veículo branco para fora do edifício, enquanto utiliza mão canhota para manobrar o volante.

Ela prefere a esquerda, assim como eu.

Ainda dentro do veículo, ela mostra suas credenciais em um ligeiro procedimento de identificação para os homens prostados à porta.

O edifício conta com uma rede de segurança militar, suponho.

Percebo que é respeitada o suficiente para fazer com que eles lhe prestem continência, mas também atraente o bastante para converter as feições duras dos seguranças em sorrisos maliciosos depois que ela sobe o vidro e arranca madrugada afora. Eles olham um para o outro, cochichando algo que suponho que não possa ser dito em voz alta. Aperto minhas mãos contra o volante com tanta força que sinto o sangue sendo preso entre meus dedos.

Minha vontade era de colocá-la dentro do meu próprio carro, levá-la para longe. 

Katrina Salazar nunca saberia o quanto de sorte tivera naquele dia.

🌪

Segura essa bomba, porra! Hahahaha. Espero que estejam gostando das revelações e da nova formatação, com capítulos mais curtos e leitura mais dinâmica. A partir de agora, só capítulo inédito! Bota a estrelinha pra não perder! 

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⏰ Última atualização: Nov 25, 2018 ⏰

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