11- Trote

114 11 2
                                    

Silêncio.
Pelo menos não se ouviu nenhuma de nossas vozes. Eu não queria conversar com ele e Rafael tinha medo ou pensava muito em qualquer palavra que ia dizer e o resultado era a ausência de fala no caminho para meu primeiro dia de aula.

 
Ainda que o clima estivesse muito estranho, completamente pesado, admirei o gesto dele de cumprir com sua palavra mais um vez e insistir em me levar para a faculdade. Passei o resto da noite em claro, nervoso. Pensei em todas as coisas que poderiam acontecer na minha vida acadêmica. Tentei decifrar como seria a minha turma, ou o que eu estudaria ao mesmo tempo que aquela visita na madrugada rondava meus pensamento e sempre que tinha um espaço, invadia minha mente e me fazia chorar.

 
Coloquei a melhor roupa que eu achei no guarda roupa, claro que foi a que eu passei o natal. Lembrar aquela cerimônia fez meu inconsciente voltar àquela noite, àquela cena, àquele beijo.
Desgraça!


Pus a roupa e caminhei em direção ao ponto de ônibus. Dispensei o café que minha mãe tinha preparado, sabia que não desceria nada para meu estômago naquele momento. Uma rua antes do ponto avistei o carro dele que piscou o farol para que eu me aproximasse. Tentei uma última vez fazê-lo desistir daquela loucura, mas ele me provou mais uma vez que era mais teimoso do que eu.

Eu deveria estar feliz. Eu sabia que se fosse em outro momento eu estaria radiante. Rafael também sabia. No entanto, aquele ato me machucava, fazia meu coração recordar todos os momentos que eu poderia ter tido com meu primo e que, por culpa dele, nunca mais teria. E mesmo com todo carga pesada que aquelas lembranças traziam, saber que eu tinha alguém que ia comigo no dia mais importante da minha vida e que estava me apoiando e me ajudando naquilo era gratificante. Rafael era assim, ele conseguia me machucar e me curar ao mesmo tempo. Ele me apunhalava e me dava confiança. Ele me entristecia e me dava colo. Ele me ajudava e me afundava. Devia ser amor na cabeça.

O silêncio me incomodava. A presença dele me incomodava. Os ruídos que o carro fazia que quebravam o silêncio me incomodavam. O barulhinho que sua mão fazia ao tremer no volante, mesmo com a cidade acordando a quase 30 graus, o que mostrava seu nervosismo, me incomodava. As repetidas vezes que ele me olhava, percebia meu olhar no caminho, minha mão limpando minhas lágrimas ou tentando me fazer acordar, aquilo me incomodava demais. Pior do que tudo que me tirava do sério era minha cabeça martelando que seria imensamente pior se eu tivesse fazendo aquilo tudo sozinho.

Antes de chegarmos no campus meu inimigo parou em frente à uma padaria. Ficamos alguns instantes sem trocar uma palavra sequer. Eu tomando forças para sair do carro e seguir meu caminho, ele olhando pra frente, sério. Dois minutos se passaram e Rafael me encarou:

-Você nem me disse se tomou café da manhã... pelo jeito não comeu nada ainda. Vamos comprar alguma coisa, sabe-se lá que horas você vai sair daqui, né? -soltou um riso fraco.
-Não precisa. Eu tô bem assim.
-Vamos logo, senão você vai se atrasar para seu primeiro dia.
Desceu do carro indo em direção à padaria. Era incrível como ele sabia me dominar. Esse desgraçado sabia exatamente qual seria meu próximo movimento e nem se importava de olhar para trás para confirmar se eu o estaria seguindo. Mesmo afastados e com a mágoa que eu sentia dele, o miserável ainda me domava como quisesse.
Eu não conseguia comer. Meu estômago reclamava toda vez que eu sentia o cheiro daquele pão. O óleo da cozinha fritando sei lá o que, ou o pastel com frango. Eu literalmente parecia uma grávida. Vendo meu estado, o maldito comprou uma vitamina e me fez tomar. Disse que pelo menos ela seguraria meu corpo de pé. Tomei aos poucos até que consegui finalmente comer o lanche. Rafael sorriu, orgulhoso de mim. Apenas abaixei a cabeça e segui para o carro. Não era fácil olhá-lo.

Chegamos uns 30 minutos adiantados. Naquele momento meu motorista parecia mais animado do que eu. Era engraçado olhar a cara de excitação que ele fazia a cada novo prédio que víamos. Não eram só prédios, eram locais de formação, de discussão. Aquele seria o meu local de aprendizado, de troca. Eu conquistei aquele lugar. Eu consegui chegar ali. Caramba. Era tudo verdade. Eu estava na Universidade.

Rascunho (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora