15 - Cinzas

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Rafael
Quarta-feira de cinzas é um dia que não deveria existir. Quando o dia nasce os foliões estão em busca de recuperar toda a energia gasta no carnaval. Seja para lembrar o bem ou o mal que se passou, a data chega e tudo que nos resta é a lembrança e o desejo de que as sensações dos momentos voltem ou desapareçam para sempre. Também é o dia de se recarregar para dez meses e meio que virão ou para se afundar de vez e sobreviver mais um ano rastejando e se queixando a Deus e o mundo.

Antes de começar o carnaval eu estava sentado no meu sofá atendendo uma ligação com mais uma encomenda. A esperança de ver Guilherme tinha se passado e o que sobrava na minha vida era comandar meu território. Muita gente dependia de mim. Outros queriam minha queda. Precisava ser esperto e saber a hora certa de agir e a maneira de fazer isso.

Certo momento, um dos capangas adentram o salão e me aguarda terminar a conversa pelo celular.
-O que foi?
-Tem um moleque aí querendo falar com você?
Fiquei animado na esperança de ser Guilherme. Poderíamos finalmente colocar as coisas nos seus devidos lugares.
-Quem?
-Um tal de Luiz.
-Que Luiz?
-É o moleque da...
-Não quero saber, o que esse filho da puta quer comigo? Acha que eu tenho tempo pra ficar escutando criança?
-Ele quer trabalhar para o senhor.
-Manda o moleque entrar. Não quero muita falação. Vou olhar a cara dele e tu explica o que fazer.
Ao entrar em meu território o guri manteve a cabeça abaixada. Respeito. Gostei daquilo. Carlinhos mandou o garoto se apresentar e ele respondeu gaguejando.
-Meu no... nome é Lu...Luiz, chefia. Eu tô...tô precisan...do desse trampo.
-Você acha que vai ter a confiança de quem gaguejando desse jeito? Acha que as pessoas vão comprar droga com você por pena? VIRA HOMEM MOLEQUE. Levanta a cabeça.

O garoto manteve a cabeça abaixada e eu estava prestes a desistir dele e mandar o Raul dá uma surra nele para aprender a ser homem.
-Levanta a cabeça que eu tô mandando. -ele a ergueu e me olhou- Você sabe o que tá fazendo garoto? Tu tem que ter pulso firme aqui. Não é um bar que se tu quebra um copo é discontado do salário. Se tu faz merda, você paga com a vida, desgraçado. Tá me entendendo?
-To sim senhor.
-Tu não tá querendo me fuder não, né? -Coloquei a arma na cabeça dele e destravei. Seus olhos se assustaram e ele ficou imóvel. -Isso aqui não é brincadeira. Eu te mato no primeiro deslize. Alguém mandou você vir aqui?
-Não senhor.
-Você é X-9?
-Não senhor.
-Tu quer mesmo esse trampo?
-Eu preciso.
-Tu vai tentar fuder comigo?
-Não senhor.
-Tu é muito medroso. Esse moleque vai dar em nada. Leva ele e mostra ele como é ser homem, tá quase mijando nas calças.
-Vem moleque. -Chamou Raul acenando.
-Mas...
-Cala a boca e vem logo. -puxou ele pra porta que parou de repente e soltou de uma vez.
-Senhor, com todo respeito. Eu preciso desse trampo, senão eu não tenho como sustentar minha casa, eu tô fodido na vida, sou só eu e minha mãe.
-O chefe disse que não, cala a boca.
-Espera. -eu disse.

Minha cabeça começou a viajar nas histórias do meu passado e no desespero desse moleque. Aquela era a última tacada dele, percebi a falta de esperança nos olhos dele. Era basicamente como os meus, aquele trabalho era o único propósito que ele teria. Salvar alguém. Parecia estar ciente de que perderia a vida em troca de cuidar da vida de outra pessoa.
-Ensina esse moleque como ser homem.
-Pode deixar, chefe. -disse Raul rindo.
-É pra ensinar ele a fazer o trampo, Raul.
-Sim senhor.
-Leva ele. Eu tô ocupado.

Quarta de cinzas e eu me peguei pensando nesse guri. A história ia se repetindo outra vez. Deveria ter mandado aquele moleque para casa, mas não, se eu o mandasse, provavelmente a mãe dele morreria, ele seria sozinho e iria para os rivais. A culpa da desgraça dele não é minha. Muito menos da escolha.

Talvez as pessoas pensem que eu sou muito duro, mas não tem como ser um banana na minha posição. Nunca fui uma pessoa boa. Quem achar isso ruim que venha discutir comigo, vai ser divertido.

Rascunho (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora