Segundo semestre começam as apresentações dos enredos para o desfile do Carnaval. Aproveitando o tempo livre e a festa que sempre organizam, a famosa feijoada com muito samba, visitei a quadra da Beija-Flor de Ninopolis, tinha que pagar a promessa que havia feito para Laura e conhecer o barracão. Nenhuma surpresa de ser recepcionado como um integrante da escola. Foi lindo. Estava tudo divino e a minha rival viria muito forte no próximo ano.
Laura me levou pra conhecer a velha guarda e tive a oportunidade de pegar na mão de Neguinho. Pela TV o sorriso dele encanta, frente a frente impacta. O homem é nada menos que o coração e a alegria da escola. Enquanto fiquei sentadinho observando a festa, Laura gastou seu salto e sambou com maestria, como a belíssima passista que é.
Uma mãe de santo chegou ao meu lado e simpaticamente me questionou:
-Você pode tirar seu sapato e sambar. A gente é de tradição também.Fiquei abismado em saber como ela leu minha vontade só num olhar. Amo sambar, se pudesse, viveria para isso. Contudo, aprendi a sambar descalço e não consigo fazer com qualquer tipo de calçado. Uma vez, minha madrinha disse: "sambar é sagrado, a gente oferece nosso corpo através da dança para as entidades, a gente se alegra com eles e agradece a tudo, por isso sempre o pé na terra, pra sentir as maravilhas dos orixás na pele".
-Deveria se alegrar com os que se alegram. Vá dançar, eu vigio o calçado. -repetia a mãe de santo.
Fui. Aos poucos fui me entregando ap ritmo e meus pés se empoeravam com ps resquícios de terra que integravam o barracão. Viajei e me senti dançando na praia, a brisa batendo em meu corpo e os pés misturados à areia me levavam ao delírio. De lá fui carregado ao interior e estava numa espécie de floresta e meu pé se lambuzava no barro. Meu corpo estava leve e meu samba era ainda mais animado. Eu parecia livre e feliz. Estava realmente me sentindo assim.
-Menino, o senhor manda bem hein, axé pra você. -dizia Laura.
-Era você quem estava brilhando até agora, eu só não resisti e quis sentir a batida um pouco.
-De percussão a gente tá bem servidp aqui.
-Seu sapato, meu filho. -disse a mãe.
-Obrigado.
-Agora sim, um sorriso bonito nesse rosto. Parece mais leve.
-Me sinto assim.
-Você sabe onde procurar quando precisar desafogar desse mar de tristeza.
-Obrigado de verdade, eu tava precisando.
-As coisas se ajeitarão um dia. Você tem um futuro grande pela frente. Mãe e pai me disseram. Tu tem a força deles, não esquece.A moça saiu rindo e confirmando algo com a cabeça. Senti muita responsabilidade naquele momento e isso me deu um pouco de medo. Laura apertou-se ao meu braço e saímos da festa.
-Volte quando quiser.
-Pode apostar que sim, mas antes você vai comigo no morro.
-Óbvio. Mas saiba que a gente que vai levar o carnaval ano que vem.
-Eu duvido muito. A Verde-rosa é campeã.
-Veremos.Na semana seguinte, Laura foi visitar a quadra da Estação Primeira de Mangueira. Levei a moça para visitar as confecções que eu ajudava a organizar. Uma vez por semana eu era liberado da ONG para passar a tarde com o povo construindo nosso próximo desfile, meu trabalho era voluntário, mas para muitos era a garantia de contas pagas no fim do mês.
Quando a noite caiu, o ensaio começou e a festa rolou solta madrugada à fora. Levei Laura até meu amigo mototáxi e disse a missão que ele teria que realizar. Quando estávamos nos despedindo, vi uma silhueta que me observava ao longe. Rafael estava na festa, como de costume. Pela primeira vez meu coração não se apertou, não sentia tristeza ao ver ele, a alegria invadiu meu rosto e deixei escapar um sorriso.
-Ele é lindo. -disse Laura.
-Como?
-Guilherme, pra cima de mim?
-Do que você tá falando?
-Agora eu acredito que você e o Marcos não tem nada.
-O quê?
-Vocês dois grudados o tempo todo... Ele com os quatro pneus arriados pra você... Até os amigos heteros dele zoam disso...
-Vei, nada a ver.
-Mas agora entendi, o pobre tem a menor chance.
-Laura, sua condução tá te esperando.
-Seu homem também. Depois conversaremos sobre isso.
-Sobre o quê?
-Nome, onde se conheceram, loucuras que já fizeram...
-Tchau doida.
-Yemanjá te acompanhe.
-Amém.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Rascunho (Romance Gay)
Romansa-Eu notei que você é bastante religioso e como eu não sou tanto... -riu- Minha avó era católica e eu fui o único neto que ela conheceu, meus outros primos nem são daqui do estado. Aí, ela me presenteou com isso aqui. Ele abriu e era um cordão com u...