Acordei com muita dor na cabeça. Levantei-me e fui até o espelho. Um galo enorme fazia parte da minha testa. Mas a dor que eu sentia, aliás, as dores que eu sentia, não se localizavam apenas nessa região. Minha cabeça doía por inteiro, não lembrava nem o que tinha bebido. Meu fígado reclamava e eu não aguentei por muito tempo e vomitei. Muito. A sensação naquele momento era de arrependimento, não apenas por ter bebido, mas também, pelo que fiz, não só na última noite, e sim, nos meses passados até aqui.
A medida que relembrava os acontecimentos do dia anterior, o estômago embrulhava mais. Saí do banheiro e mancando, voltei para o quarto. Deitei-me na cama e sentia tudo rodar e a cabeça latejava mais forte. Tentei me sentar e quase caiu no chão. Mantive-me apoiado na cama para equilibrar enquanto a tontura passava lentamente. À medida que isso acontecia, os fatos da noite passada voltavam à tona. Foi inevitável não chorar.
Eu estava fora de mim, a embriaguez facilitou o choro que descia às enxurradas. Ainda gritava com Rafael as palavras de ordem que pareciam suplica, na verdade. Estava no extremo e pedia a todo momento que Dogão acabasse com aquilo. Eu não era aquele tipo de pessoa, vingativa. Eu não explodia tão facilmente e desafiar Rafael me fez perceber que eu não ligava mais para a minha própria vida. Eu não queria mais viver, essa era a verdade. Minhas ações me fizeram notar que naquela noite eu preferia o meu fim, ao saber até que ponto ele poderia chegar caso eu o desafiasse, do que o nosso final.
Ressacas são assim. Tudo parece turvo, a dor se sobressai. Quando ela ameniza, um mal-estar se instaura e perturba nossa mente o tempo inteiro. Geralmente, a água é uma solução eficaz para a cura. No entanto, o seu corpo está absorto em álcool e acidez que o contato da água traz enjoo. Alguns remédios são chás de boldo, planta amarga. Outras soluções são doces, para equilibrar o Ph. Algumas pessoas, sem forças, simplesmente tomam algum remédio e dormem.
Eu estava sem forças. Passei o resto do fim de semana ali. Não me lembro de ter comido. Aliás, lembro-me da minha mãe entrando no meu quarto muito preocupada. Fazia uns 35 graus lá fora e eu estava debaixo das cobertas. Tive febre. Fui medicado por ela e voltei a dormir. Durante a semana não apareci na faculdade. Como minha mãe saía antes de mim, não percebeu que o colchão estava quase afundando na cama por eu não sair dele para quase nada. Se peguei o celular foi para ouvir alguma música, não atendi nenhuma ligação, não quis saber de mais ninguém.
Pelo fato de dormir o dia todo, à noite eu acostumei a virar. Certos momentos da madrugada eu ficava ansioso. Era o intervalo de tempo que ele costumava entrar pela minha janela, me fazer carinho, às vezes se deitar comigo. Na mesma medida que tinha saudades disso, tinha medo do que podia acontecer. Na nossa briga, eu simplesmente feri o orgulho dele e ainda o encorajei a me matar. E se ele realmente levasse isso a sério? Seria um inimigo dele agora? Ficava horas olhando para janela e, como dizem, ela refletia minha alma, que se encontrava completamente angustiada. A janela servia de telão, passava em looping as cenas acontecidas no fim de semana. Como dizem, o cansaço emocional é o pior que existe. De tanto chorar, eu sempre adormecia.
Durante as semanas seguintes eu apenas vegetei. Tudo que meu corpo fazia se resumia a ser um robô. Aulas, casa, comer, dormir, ver série quando tinha algum ânimo. Vez ou outra sentava com Laura para uma das discussões do movimento, mas estava sem muita paciência ou ânimo para aquilo e só ia para casa. Teve até um dia que ela chamou minha atenção:
-Senta aí, conta o que tá rolando.
-Tá acontecendo nada não, mulher.
-Eu poderia até acreditar se você dissesse que está cansado de tanto ir de lá pra cá e ainda trabalhar, mas me dizer que não é nada? tenho cara de otária, Guilherme?
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Rascunho (Romance Gay)
Romance-Eu notei que você é bastante religioso e como eu não sou tanto... -riu- Minha avó era católica e eu fui o único neto que ela conheceu, meus outros primos nem são daqui do estado. Aí, ela me presenteou com isso aqui. Ele abriu e era um cordão com u...