04 - Lanche

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Quarta-feira era um dia completamente corrido para mim durante o período de aulas. Mas como estávamos no mês de dezembro, era muito mais suave. O Ensino médio já tinha ficado para trás, pela graça de Deus e eu já tinha entregado pra ele também o resultado do meu vestibular. Tudo que eu tinha que me preocupar era em ir no Campinho fazer o que mais gosto na vida. Por isso, acordei quase dez horas e demorei a sair da cama, coisa de gente folgada e desempregada. Na verdade, fiquei pensando em como a minha vida mudaria dali para frente. Se eu passasse numa universidade, teria que trabalhar de manhã e à tarde para pagar meus sustento, no mínimo arrumar um estágio. Mesmo assim, seria uma correria intensa, muito parecida com a da minha mãe. Se eu não passasse na prova, eu ainda sim teria que começar a trabalhar, pois a casa da minha mãe não se sustentaria apenas com o serviço dela, mesmo que ele nos salvasse e eu sou um adulto agora, chegou a hora de criar responsabilidade e cuidar da minha velha.

Certo era que nenhuma das opções incluíam o futebol na minha vida. Ter um sonho é lindo, conquistá-lo é doloroso. Porém, eu acredito que valeria a pena. Seria o primeiro da minha rua a terminar uma faculdade e a aparecer na TV, sem que seja menosprezando nossa gente. Ouvi uma vez que pra gente mudar algumas coisas, precisamos primeiro entrar dentro dela, seria isso que eu faria. Mostraria que existe muito mais que crime e pobreza na minha região. Existem vida, existem pessoas que precisam de acesso à saúde e à educação, existem sonhos, existe voz e mesmo falando de esporte, eu saberia como nos incluir lá, até porque eu seria a gente lá.

Deu hora e eu fui jogar. Joguei como nunca naquele dia, parecia até que tinha algum olheiro no campo, nem eu acreditava nas coisas que estava fazendo. Um dos gols que marquei foi por fomeagem mesmo. Dois caras pararam na minha frente e eu tinha dois parceiros prontos para receberem o passe. Simplesmente ginguei o corpo e me movi para a direita e brequei (parei), matando um marcador e fui com tudo no espaço que se abriu até sair na cara do gol e meter por cima do goleiro. Eu estava realmente animado ou as pessoas estavam mortas. A real é que eu estava me despedindo. 

Terminado o treino, umas cinco da tarde, caminhei  rumo ao vestiário sorridente pelo desempenho, mas triste pela despedida, olhando para o chão e quase não percebi a pessoa que assistira minha apresentação.

-Pra quem tenta jogar bola, o senhor dá até um craque hein. -aquela voz aveludada me roubou as ideias.

Virei-me no mesmo instante e deparei com aquele sorriso arrebatador. Não tinha outra, eu quase tropecei nas minhas próprias pernas naquele momento. Fiz um esforço dos diabos para não deixar minha animação se transformar em excitação e transparecer no calção leve que usava, seria meu fim. Talvez seja por isso que não tenha o respondido, para que eu vou mentir, eu ficava completamente inerte com qualquer ato que aquele homem cometia.

-Fala Guilherme. Tudo firme?

-Pow, eu tô sim. E você mano, o que caça por aqui?

-Me disseram que aqui tem uns meninos talentosos, então vim atrás para saber.

-Tem mesmo, a galera que tá saindo ali é muito mesmo. Mas tem uns perna de pau que seguem tentando, tipo eu.

-Não foi isso que eu ouvi.

-Contaram mentira pra você então.

-Mas eu tive provas também.

-Ah, hoje foi atípico, os meninos tão morto e eu me despedindo do campinho. Aí a vontade de curtir os últimos momentos faz isso.

Rafael abriu um sorriso que valeria apena fotografar. Quem eu quero enganar? Qualquer careta daquele homem vale um flash. Ia questioná-lo sobre estar ali novamente e o porquê de saber que eu jogo bem, ou fazer alguma brincadeira do tipo, até que somos interrompidos por nada menos que o responsável pela ONG e pelo pagamento do meu cursinho.

Rascunho (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora