– Nada, foi só uma discussão. – ele diz, enquanto eu limpo seu rosto que estava todo ensanguentado. – Na verdade, Arthur, preciso da sua ajuda.
– Com o que? – pergunto e ele se levanta, indo até a janela e abrindo-a. É nesse momento que João entra também.
Ele também estava todo machucado, mas estava melhor que Antônio. Se aproximou de mim e estendeu a mão. Eu apertei, ainda sem saber o que esperar e o convidei para se sentar em um dos meus puffs. Por alguns segundos me perguntei se eles tinham brigado entre si – e como faria para denunciar, caso isso tivesse acontecido.
Decidi, no entanto, esperar para ver o que eles tinham pra me dizer e continuei cuidando dos machucados de Antônio. Quando terminei, comecei os de João, enquanto Antônio me explicava o que realmente tinha acontecido.
– A gente nem se beijou nem nada, estávamos andando de mãos dadas só, aproveitando que não estávamos perto daqui e podíamos demonstrar carinho sem ter medo que alguém visse e espalhasse. – ele diz. – Tô todo quebrado, mas não ia deixar que aquele cara crescesse mais pra cima da gente, não fizemos nada de errado.
– Vocês precisam se cuidar. – digo.
– Me cuidar? As pessoas que tem que parar de idiotice, Arthur. Como um cara que não me conhece se acha no direito de dizer o que eu posso ou não fazer na rua, dentro do meu direito de cidadão livre? – rebate. – E mais do que isso, como ele acha que um crime pode ser justo dessa forma?
– Você sabe muito bem que não é esse o fator que a gente tá debatendo aqui. – falo e ele desvia o olhar de mim, cruzando os braços. – Esse país nunca foi amigável pra quem não segue o que julgam como normal e regra, você sabe muito bem. Assim como homofóbicos, também é ridículo as pessoas serem racistas, mas sabemos bem que existem e que as pessoas pretas morrem todos os dias na mão de gente ruim. Infelizmente é assim que funciona.
– Mas não deveria ser.
– É óbvio que não deveria ser, essa não é a questão também. A questão é que não importa o quanto as pessoas pintem tudo de cores vívidas e preguem discursos igualitários, as coisas não estão melhores do que sempre foram. Olha pra Júlia, cara, ela até agora tá batalhando pra conseguir poder jogar bola... – ele me observa. – Eu sei que você tem costume de ignorar os conselhos alheios ou os problemas dos outros, então comece a observar de forma descrente o país que vive, porque nem tudo são flores.
– Ele tá certo. – João diz. – Tivemos sorte de não sermos assassinados e acabarmos nas estatísticas, como centenas de milhares de pessoas todos os anos.
– Se isso aqui é sorte... – Antônio aponta para o próprio rosto. – Não quero ver o que é azar.
– Azar é não poder voltar pra casa depois de algo assim. – João termina e Antônio fica em silêncio. – Não sei nem o que vou dizer pro meu pai.
– Fala que a gente tava brincando de lutinha e acabamos levando a sério demais. – Antônio dá a sugestão. – Depois ele vai ver a minha cara arrebentada e vai brincar, dizendo que você realmente levou a sério, se pá ganha um parabéns.
Fico observando por algum tempo a relação deles, que parecia ser bem mais saudável que a que eu tinha com Antônio. Isso, porque ao contrário de mim ele parecia pelo menos ouvir o que João tinha a dizer – e quando não podia refutar, ele concordava com a cabeça e aceitava. Era como se estivesse sendo colocado no lugar de uma forma positiva.
Claramente João tinha um pulso firme quando o assunto era Antônio e isso era curioso de assistir. Acabamos ficando a noite toda no meu quarto e eu até trouxe lanche pra eles – porque eles estavam com medo de chegar em casa de madrugada. Por outro lado, no entanto, mesmo que tenham tomado banho na minha casa, quando acordei de manhã ambos já não estavam mais lá.
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Hurricane (Romance Gay)
Ficção AdolescenteEu sou o Arthur. Tenho 17 anos e moro em São Paulo. Estou no 2° ano do ensino médio e nesse ano passei por uma situação complicada. Meu melhor amigo Antônio descobriu recentemente que seu pai, (cujo não via a não ser em fotos) veio morar aqui. Até...