Coisa de menina

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     Fim de semana e tempo livre. Acordei cedo, como de costume. Coloquei uma roupa leve e fiquei esperando na sala. Não demorou para cada Bartholy descer. Drogo me lançou um olhar cúmplice. Peter deu um sorriso afetuoso. Lorie me encarou irritada. E Nicolae... Estava sério e frio.
     _ Então, quem vai me fazer companhia hoje?
     Lorie, para minha surpresa, levantou a mão. E pelo sorriso travesso, sabia que aprontaria algo.
     _ Hoje, vou passar um tempo com você, Lorie? E o que faremos?
     _ Compras.
     Imaginei alguma brincadeira macabra, mas, era algo normal.
     Nicolae colocou um cartão na minha mão. Dourado. Ilimitado.
    _ Séculos de existência. É claro, que acumularam fortuna._ eu disse.
    Quando reparei melhor, vi que estava escrito "Lívia Bartholy". Até fiquei tonta.
     _ Chegou ontem. Viktor enviou. Está ligado a conta dele, assim como o de todos nós. Não uso o meu. Gasto o dinheiro que ganho com meu trabalho.
     _ Papai Viktor dá mesada?... Acho que vamos nos divertir muito, Lorie.
      A menina tinha um brilho malicioso no olhar.
     _ Não exagera._Disse Nicolae.
     _ Impossível mima-la mais, do que vocês já fizeram.
     Ele ficou corado e desviou o rosto.
     Nicolae envergonhado era uma gracinha.
     _ Separe seu tempo livre para mim. Você é o único que ainda não me deu atenção.
     Ele me olhou e apesar da frieza, um leve brilho em seu olhar, indicava que ele gostou da ideia.
     Viktor estava me dando uma família, amigos, uma nova chance. Porque não obedece-lo? Ele fez o momento mais difícil da minha vida se tornar mais suave. Algum dia, eu ia parar de chorar até dormir. A dor ia passar. Com a ajuda dos Bartholy, eu ia superar. "Mãe, pai. Eu vou ficar bem".
     _ Vamos Lorie.
     A menina segurou minha mão. O que me assustou. Esperava que ela realmente se comportasse. Para trazer ela ao lado do Viktor, talvez, fosse melhor deixá-la só um pouco, solta!
     Tivemos que ir de táxi e ela reclamou.
     _ Meus irmãos tem carro.
     _ Eu não tenho. Deveria pedir ao Viktor?..._ Disse irônica.
     _ Nem precisa pedir. Só compra.
     Olhei para ela espantada. Mas, acabei dando risada.
     _ O que vamos comprar? Roupas, sapatos?
     Ela indicou o endereço ao motorista. Pelo visto tinha o costume de ir lá.
     Quando entramos, fiquei maravilhada. Vestidos lindos por todos os lados. Lorie e eu experimentamos vários. Até compramos um igual. Ficamos parecendo mãe e filha. Depois fomos na sessão de sapatos. Era difícil não exagerar. Viktor que me desculpasse.
     Sentei-me com ela na praça.
     _ Você tem se comportado o dia todo, fale o que você quer.
     A menina fez um beicinho de pirraça. Mas, depois olhou para o chão e disse...
     _ Papai te deu uma missão não é? Criou você por um motivo?
     Me arrepiei. Ela não parecia querer  descobrir para contar ao Nicolae. Sua cabeça abaixada indicava que ela escondia algo.
     _ Assim como foi com você?
     Ela não respondeu.
     _ Ele teve um motivo para criar todos nós._ eu disse.
     _ Você não veio me substituir ne? Eu sei que você teve controle desde o início.
     _ Ele não me falou sobre você.
     _ Você sabia o nome do Nicolae. É por causa dele ne?... Espero que seja. Eu vou me tornar o que ele espera.
    Que tipo de missão, aquela criança recebeu...
    _ E você... Tem haver com os meninos? Por isso ficou brava com a minha chegada?
    _ Sim.
    O que ele esperava que ela fizesse? Que eles se apegassem na irmãzinha, para ela virar a fraqueza deles? Ela já conseguiu. Eles a amavam.
    _ O seu lugar na família ninguém vai roubar. Não permitirei.
    _ Já fizeram uma vez... Foi difícil para mim.
    Eu não esperava por esse lado depressivo dela. Parecia o Peter.
    _ Eu não estava aqui. Agora estou. Confia em mim.
    Ela finalmente ergueu a cabeça. E me abraçou.
    _ Se eu fizer como você, papai vai gostar.
    _ Sim, Lorie. Faça como eu.
    Caramba, foi mais fácil do que eu esperava.
    _ Ainda quer matar alguém?..._ perguntei irônica.
    _ Posso?
    Seus olhos ficaram vermelhos e ela mostrou as presas. Essa era a menina má, que eu conhecia.
    _ Viktor quer discrição. Não podemos chamar atenção matando alguém.
    _ Mas, você não matou quando chegou?
    _ Ele está vivo e não se lembra de nada.
    Ela ficou me encarando e deu um sorrisinho perverso.
    _ Também quero.
    Viktor ia gostar disso. Mas, Nicolae...
    _Nicolae não vai gostar.
    _ Ele não precisa saber.
    _ Vai sentir o cheiro em você.
    Ela fechou a cara. Depois sorriu de novo.
    _ Ainda é cedo. Se fizermos isso agora, o cheiro estará fraco quando voltarmos. Podemos disfarçar com perfume. É péssimo para o olfato sensível dos vampiros.
    _ Vai incomodar a gente também. Tem certeza que funciona? Que desculpa dará, por usar algo que não é bom para você? 
    _ Deixe comigo.
    _ Tudo bem. Mas, você deve parar quando eu mandar. Promete?
    _ Prometo!...
    "Se ela não parar, usarei violência".
    Caminhamos para uma área mais afastada. Segurei todas as sacolas. Logo, um homem se ofereceu para ajudar. Lorie estava escondida. Dei uma piscadinha para o cara e ele já estava interessado. Lembrei da fala do Drogo. Minha aura irresistível de vampira. Foi fácil levá-lo ao beco. Derrubei ele no chão. Lorie apareceu. Ele olhou confuso. Ela nem hesitou. Mordeu ele. Mas, eu mantive os olhos dele voltados para mim. E vi quando ficaram vidrados.
    _ Lorie, chega.
    A menina não pareceu me ouvir. Segurei o ombro dela e apertei.
    _ Lorie!...
    Dessa vez ela recuou. Me encarou uns instantes, depois piscou os olhos, como se estivesse fora da realidade.
    _ Chega. É o bastante. Não pode matar.
    A menina balançou a cabeça afirmativamente.
   Os olhos dele continuavam vidrados.  Passei o dedo na língua e coloquei sobre a ferida. Que se fechou na hora.
   _ Esconda-se.
   Ela foi. Eu esperei ele "acordar".
   O cara, "Pepsi", me olhou e sorriu.
    _ Foi muito bom te encontrar.
    _ Eu que agradeço. Não precisa mais me ajudar.
    Pelo visto ele havia apagado a menina da mente e modificado as lembranças de mim. Perfeito!
    Peguei as sacolas e chamei Lorie. A menina já tinha limpando o sangue do queixo. Mesmo assim, a levei até o banheiro público. Depois de limpar a boca, fomos para a loja de perfumes. Ela espirrou um de lavanda. E eu, um de rosas. Depois, dei a ela uma bala de menta. O organismo iria eliminar rápido. Era só uma balinha.
    Passamos na concessionária para avaliar os carros. Lorie se encantou com as ferraris. Me apaixonei por um Bugatti. Mas, isso era algo que eu precisava consultar os meninos primeiro.
     Quando finalmente chegamos em casa, Nicolae veio nos receber. Ele franziu o nariz e virou o rosto.
     _ Por que estão usando perfume?
     Lorie piscou e me deu um olhar cúmplice.
     _ Coisa de menina!
     Ela correu para o quarto em seguida e ele veio até mim.
     _ O que vocês fizeram?
     _ Coisa de menina. Não ouviu? Compramos roupas, sapatos, perfume e até alguns brincos. Veja...
     _ Por que perfume? Isso incomoda vampiros.
     _ Vaidade feminina Nicolae. Você insinuou que eu estava fedendo, lembra?
     Talvez fosse um erro fazer menção ao cheiro de sangue. Mas, pela lógica, era a maneira mais fácil de afastar suspeitas. Brincando com a verdade.
     _ Seu cheiro é bom. Não precisa de perfume.
     Fiquei corada. Esse tipo de comentário fazia eu reparar no quanto ele era uma gracinha.
     _ Obrigada. Quando você me dará seu tempo?
     Ele desviou o rosto.
     _ Fiz uns ajustes. Amanhã eu te levo para passear.
     Não consegui evitar de me jogar em seus braços. Abraçando sua cintura. Ele tinha mudado o plantão, só para me dar atenção! Que fofo.
      _ Obrigada, maninho.
      Ele parecia desconfortável.
      _ O que foi? Sou sua irmã também. Você pega a Lorie no colo. Não posso te abraçar?
     _ Faz pouco tempo. Não te vejo como irmã.
     _ Eu sou o quê então, entre os Bartholy? Um incômodo? Uma intrusa? Usurpadora?
     Ele se afastou. E isso doeu.
     _ Precisamos de tempo. Você já passou um período com os outros. Mas, ainda não conversamos muito.
     E eu entendi. Eu não era nada!
      De cabeça baixa, subi a escada com as compras. Larguei no chão do quarto. Uma melodia triste chegou até mim. Só podia vir do menino depressivo. Bati na porta do quarto e entrei. Ele não parou. Sentei ao seu lado no piano e apoiei a cabeça em seu ombro. Ele inclinou a dele sobre a minha. Pelo menos um "irmão", não me afastou. Fiquei ouvindo enquanto lágrimas caiam. A maravilhosa melodia "moonlight sonata".
     Sentia tanta falta dos meus pais. E eu não sabia porquê, mas, a frieza de Nicolae me machucou. Eu também não via eles como irmãos, ainda. Eram mais como novos amigos. Então, porque doeu tanto não ser nada para ele?
     Peter encerrou a melodia. Eu enxuguei as lágrimas e sorri para ele.
     _ Obrigada, Peter. Por me deixar ficar.
     _ Você estava precisando.
     Que alma sensível. Dei um beijo em seu rosto. Ele ficou surpreso.
     _ Obrigada, amigo. Boa noite.
     Levantei-me para sair e me surpreendi ao ver Nicolae na porta. Ele parecia irritado. "Ah, qual é? Todos tem que ser frios comigo e fazer eu me sentir um incômodo?" Passei por ele e fui para o meu quarto.  Foi um dia longo de mais. Amanhã ele teria tempo de me criticar.

    

 

Is It Love? Nicolae - No limite do desesperoOnde histórias criam vida. Descubra agora