O que eu sou?

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     Nicolae tinha um carro prateado, lindo. Como esperado, dirigia com cuidado. Ele não disse nada quando me viu. Foi até o carro. Esperou eu entrar e deu partida. Desde então, curti a paisagem.
     _ Aonde vamos?
     _ Coisas que meninas gostam.
     Pelo visto, a fala de Lorie surtiu efeito. Eu já estava empolgada.
     Nicolae não gostava de contato. Não podia andar de braços dados, como fazia com Peter. Nem abraçada, como fazia com Drogo. Até Lorie, quis andar de mãos dadas. Mas, Nicolae era mais frio. Então, apenas andei a seu lado, mantendo distância.
     Meus olhos brilharam ao ver que ele tinha me levado ao parque de diversões.
     _ Algodão doce...
     De repente, me lembrei que eu não podia mais comer esse tipo de coisa. A última vez que eu fui no parque, dividi um com meus pais.
      Nicolae notou minha tristeza.
      _Ainda tem coisas que podemos fazer.
     Apontou para os brinquedos. Eu dei um sorriso forçado. Era difícil afastar as lembranças com meus pais.
     _ Quer ir para outro lugar?
     _ Não. Eu gosto de parques.
     Justo agora que ele me deu atenção, eu ia ficar deprimida? Era melhor me esforçar, para me divertir.
     _ Vamos na montanha-russa?
     _ Sim. No que você quiser.
     A velocidade e estar de cabeça para baixo, logo fez eu esquecer de tudo. Saí de lá rindo. Nicolae deu um sorriso e apontou o próximo.
     Quando já tínhamos passado em quase todos, ele quis ir ganhar prêmios.
     _ Você gosta de pelúcias não é?
     _ Coisa de menina. Gosto muito.
     Ele pegou a arma e atirou. Era impressionante, ele acertou todas. Um vampiro que caça, era bom de tiro.
     _ Aprendeu caçando?
     _ Não. Caçamos sem armas.
     _ Agem como uma fera atacando outra... E ainda acha que isso é mais "humano", do que o meu jeito?
     _ Questão de ponto de vista. Não é que eu goste do que eu faço. Só não tenho opção.
     _ Sempre temos opção.
     Ele pegou o urso que ganhou e me deu.
     _ Seja uma boa menina e não discuta hoje.
     Peguei o urso, grande, abracei ele sorrindo.
     Nicolae apontou para a roda gigante.
     _ Só falta um.
     _ E depois?
     _ Não precisamos fazer tudo em um dia só.
     A ideia de sair com ele de novo me animava. Apesar das diferenças, sentia uma ligação crescendo entre nós.
    Entramos sozinhos. Fomos subindo lentamente.
    _ Como você está? É difícil lidar com a nova vida?
    Ele realmente não gostava de ser um vampiro.
    _ Não quero falar o que aconteceu comigo, então, não vou perguntar o que houve com você. Estou me adaptando bem. Achando um jeito de ainda ser eu mesma. Você também é cristão não é? Eu sei que é errado matar. Por isso digo que você está errado em caçar. Eu não matei ninguém.
     _ Eu não me orgulho disso. Só não tenho opção. Espero que Deus me perdoe.
     _ Sabe que nossa alma já está condenada não é?
     _ Não escolhi me tornar assim. Se eu agir corretamente, salvarei minha alma.
     Enfim, entendi porque ele era tão obcecado em fazer o certo. Andar na linha. Ele não desistiu de se salvar. No meu ponto de vista, já estávamos condenados. Mas, não iria tirar suas esperanças.
    _ Continue tentando.
    _ É só o que podemos fazer. Tentar merecer. Tem que merecer.
    _ Já vi um filme com vampiros cristãos. Ele pensava como você. Que atacar animais não era pecado. Eu penso diferente. É um pecado pior, atacar inocentes, que não tem como se defender. Apesar disso ele era um vampiro do bem. Médico também. Acho que você se identificaria com ele. Já viu esse filme?
    _ Não vejo filmes sobre vampiros. Nunca quis ser um. Não vejo porque merece tanto destaque a ponto de virar filme.
    _ As pessoas acham que é só um mito. Não é real. Por isso, passa da comédia ao terror. Esse, é um romance.
    Nicolae torceu o nariz.
    _ Estão vendo romance nessa vida que levamos? Tendo que se alimentar de sangue, feito um parasita. Vendo todos que amamos morrendo e a gente é imortal. Ficamos sozinhos, a menos que encontremos outros vampiros. Temos que nos controlar o tempo todo para não machucar ninguém.
     _ Talvez você tenha tornado seu fardo mais pesado ao virar médico.
     _ Eu queria ser um vampiro que salva vidas, ao invés de tirá-las.
     _ É um gesto bonito. Mas, se continuar se odiando por ser vampiro, vai acabar mais depressivo que o Peter.
     _ Você aceitou fácil de mais.
     _ Já li muito. Vi muitos filmes. Hoje em dia, ninguém surta por causa de vampiro, lobisomem ou zumbi. Pense bem. Pelo menos você é um vampiro. Seria pior se fosse um zumbi.
    Ele deu risada.
    _ Como você consegue, achar um lado bom em tudo?
    _ Tive o melhor que a vida pode oferecer em questão de família. Se eu já vi que é possível ser perfeito, por que me abalaria com a imperfeição? É só uma questão de lapidar.
    Ele não fez perguntas. Deve ter se lembrado do que eu disse mais cedo.
    A roda gigante parou no alto. Eu observei a paisagem. Ainda mais bela com minha visão apurada de vampira.
    _ como é lindo.
    _ É mesmo impressionante!...
    Eu olhei para ele para apontar o carrossel e o flagrei olhando para mim. Ele desviou os olhos rapidamente. Corado. "Ele falou aquilo de mim?"
    _ Veja ali o carrossel. Pena que não podemos ir. Vamos trazer a Lorie na próxima.
    Ele não disse nada.
    Quando saímos dela, ele me convidou para sentar na praça. A grama, crianças brincando, um sol morno. Sentamos em um banco debaixo da árvore. Sombra.
    _ Desculpe, por pedir seu tempo.
    _ Pare. Eu também acho necessário.
    Eu estava encarando meu urso. Ele percebeu e perguntou...
    _ Que nome vai dar a ele?
    Eu sorri e disse...
    _ Nicolae. Por que esse eu posso abraçar.
    Ele ficou me encarando meio surpreso. E ficou corado.
    _ Não estou acostumado com uma garota carinhosa em casa. A Lorie pede carinho, mas, não retribui.
    _ Eu sei que te incomoda. Por isso, vou usar o urso como substituto.
    Apertei o urso em meus braços e ele riu.
    _ É melhor asfixiar só o urso mesmo.
    Eu ri também.
    O sorriso dele era tão lindo. Ele era tão belo.
    Dessa vez, foi ele que me pegou o encarando. Desviei o rosto por reflexo.
    _ Tudo bem se eu comprar um bugatti?
    _ Sério?
    Ele parecia chocado.
    _ O quê, não combina comigo?... Eu sempre preferi motos. Mas, a Lorie reclamou por irmos de táxi ontem.
    _ Ela é difícil. Te deu trabalho?
    _ Até que não. Ela se abriu. Tem medo que alguém roube o lugar dela no coração de vocês. O problema é que ainda nem tenho um lugar...  Garanti a ela que minha presença não muda nada. Acho que somos amigas agora.
    Eu dei risada. Amiga da menina má? Será?
    _ Você tem!... Um lugar...
    Olhei para ele, sentindo o coração disparar. Ele não desviou os olhos.
    _ O que eu sou, para você?
    Seus olhos tinham um brilho tão lindo. Aquela aura irresistível de vampiro, que o Drogo falou. Eu sentia a de Nicolae. E a vontade de me aproximar era grande.
     _ Ainda não sei. Mas, você já é uma Bartholy. 
     Não sei porquê, mas, senti meus olhos ficarem úmidos. Eu não queria chorar. Fechei os olhos e respirei fundo.
    _ Obrigada, Nicolae! Sei que apareci de repente. E que você não gosta de Viktor criando outros vampiros. Deve ter sido um choque eu aparecer daquele jeito. Fazia pouco tempo que eu tinha acordado. Ainda não tinha me alimentado e aquele cara... Tentou... Bem, eu só me defendi.
     _ Conheço a fama do Loan. Eu não estou mais irritado com o que houve. Só me preocupo com o que vai acontecer, se você perder o controle.
     _ Mas, eu realmente não sinto nada, além de satisfação de uma necessidade. Como beber água, por estar com sede. E poder. Sentir aquela força aumentando. Como se recarregasse minhas baterias. O que mais eu deveria sentir?
     Ele ficou me encarando e deu um sorriso terno. Cheio de carinho.
     _ Você é só uma menina. Um dia vai entender.
     Eu cruzei os braços, fazendo um beicinho emburrado.
     _ Isso não é justo. Você devia me explicar.
    Ele riu.
    _ Sem pirraça, Lívia.
    Virei a cara para o outro lado. Como ele ousava me tratar feito criança?
    _ Vou pegar esse Nicolae aqui, que é muito afetuoso e te deixar sozinho.
    Eu sai de lá, com o urso nos braços. Qual era o problema de explicar o que eu perguntei?
    _ Vamos para casa._ ele chamou._Pirracenta.
    Lancei um olhar irritado para ele.
    _ Devia morder você!
    Ele parou de rir e me olhou surpreso. Seus olhos se estreitaram. Ele mordeu o lábio inferior.
     _ Deveria eu, morder você?
     "Ui, isso fez eu estremecer todinha!... Será?Deveria?"
     _ Fique longe do meu pescoço._ brinquei.
     _ Eu quero seu sangue._ Ele disse brincando.
     Eu corri e ele foi atrás. Brincar de pega-pega vampiro é muito bom. Alta velocidade, passando por cima das árvores, das casas. Mas, claro que ele sendo mais velho e experiente, acabou me pegando. Senti seus braços me rodeando por trás. E sua voz sussurrando no meu ouvido.
     _ Te peguei.
     Ele deu um beijo gelado no meu pescoço. Arrepiei toda.
     _ Chega de brincar, vamos para casa.
     Então, meu coração doeu. Eu entendi que lugar eu ocupava em seu coração. Assim como a Lorie, eu era uma criança, na cabeça dele. Uma irmãzinha. Aquilo me incomodou.
     Entrei no carro dele em silêncio. Fiquei calada o caminho todo. Quando descemos do carro ele perguntou...
     _ O que houve? Falei alguma coisa errada?
     Eu olhei para ele e balancei a cabeça.
     _ Não. Apenas... Não sou criança! Eu não sou a Lorie.
     Entrei sem esperar resposta. Coloquei meu urso em cima da cama. Tomei um banho rápido.
     Peter estava tocando piano. Uma canção de ninar. E eu acabei adormescendo, abraçada ao urso Nicolae. Talvez, eu ainda fosse um pouco infantil. Mas, toda mulher tem um lado menina.
     No meio da noite acordei com um sonho estranho. Nicolae estava deitado na minha cama, no lugar do urso e acariciava meu cabelo. Ele tocou meu rosto para enxugar uma lágrima. "Não te vejo como a Lorie. Nem como criança, nem como irmã. Esse é o problema!" Ele beijou minha cabeça. E me abraçou. "Tenho medo do que você está se tornando para mim".
      Abri os olhos assustada. Mas, só havia o urso ali ao meu lado.
      "Caramba! Que tipo de sonho foi esse?"... 
       Eu devia começar a me preocupar com o que ele, estava se tornando para mim, para que eu tivesse um sonho como aquele.
     

   

    

Is It Love? Nicolae - No limite do desesperoOnde histórias criam vida. Descubra agora