4 - A humilhação

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Altagracia voltou-se para Saúl e, tomada pela sensação de não saber o que falar, reclamou-lhe:

_ Pedi que não me interrompesses. Ainda não te expus todas as minhas razões para te haver escolhido para casar-te comigo quando podia ser qualquer outro.

_ Perdão minha dona. – Disse Saúl irônico – Não voltarei a falar a não ser que me autorizes.

Altagracia se sentiu atingida por seu sarcasmo. Mas tampouco se intimidou, não o faria agora, esse momento era decisivo para ela. Encarou-o altiva e voltou a explanar suas razões.

_ Você, Saúl, tão somente você é culpado de assassinato. Eu era uma menina. Uma menina que sonhava e acreditava que, havendo conhecido você, havia conhecido o mais sublime dos amores. Jamais poderás entender o que aconteceu dentro de mim quando Alfredo insinuou que tu e Jimena nos haviam feito uma traição muito maior do que ser traídos por amor.

Saúl baixou a cabeça, sabia que ela estava com a razão.

_ Independente de todos os golpes que eu sofri na vida, esse de verdade me derrubou. Eu não pude suportar ver que o homem que eu adorava, que eu venerava incondicionalmente era um interesseiro. Alguém movido a dinheiro, que despreza os sentimentos e um sentimento como o meu. Incondicional, você conhece esse tipo de sentimento, Saúl?

Ela mal podia falar pelo efeito da emoção sobre si.

_ Sim, incondicionalmente! Entreguei-te minha pureza e jamais te reclamei por isso. Não te reclamei porque o fiz por amor, porque não me envergonhava de havê-lo feito. Não disse à minha família, não te exigi casamento, não queria que você estivesse comigo por obrigação, mas porque me amava! E você deve estar se perguntando por que agora me uni a você em matrimônio e naquele momento não disse nada a ninguém. É porque eu guardava uma esperança.

Saúl a olhou. De fato se perguntava. Se ela era neta de um homem tão influente quanto o barão de Paracambi e lhe contasse que havia sido deflorada por ele, certamente estaria obrigado a casar-se com ela se ela pedisse. Sem que fosse necessário oferecer um único centavo de dote.

_ Eu queria comprovar se tu realmente merecias meu amor. Porque segui te amando com a mesma intensidade e a mesma incondicionalidade apesar das coisas que descobri sobre ti, apesar de haver descoberto que tinhas um fraco caráter. Não sabes quanto no meu coração desejei que quando meu padrinho te procurou você tivesse recusado a proposta de casamento. Era minha última esperança, uma última esperança de estar dedicando meu amor a um homem que merecia ao menos uma parte dele. Se tivesses feito isso, Saúl, te entregaria toda minha fortuna e me lançaria a teus pés declarando-te meu amor como sempre fiz. Não me envergonho de dizer que te amava com a alma. Mas você demonstrou que era mesmo tão vil quanto várias pessoas diziam na corte e eu me recusava a acreditar. Que trata o dinheiro como tudo o que importa, algo que vale mais que tudo. Entendi que nunca possuí teu amor e que o homem que eu amava não existia. O Saúl Aguirre que eu idealizei só existiu em minha imaginação e estou tranquila por finalmente haver entendido e aceitado isso.

Caminhou até a cômoda com o soluço preso na garganta. Abriu a gaveta e tirou de lá um cheque de oitenta contos de réis. Não entregou a Saúl, jogou-o no chão para mais uma vez humilhá-lo.

_ Aí está teu pagamento. Fechemos o negócio. Os vinte contos já recebeste adiantado há alguns meses. O restante da quantia, te entrego neste momento.

Saúl não disse nada. Levantou-se, mas não pegou o cheque, virou-se coberto de vergonha. Se a intenção de Altagracia era humilhá-lo, havia conseguido com primazia incalculável. Saúl se sentia o pior dos vermes, o mais indigno dos homens daquela sociedade que ele fazia tanto esforço por pertencer. Queria devolver o agravo, precisava devolver aquela humilhação.

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