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Era segunda-feira e Saúl ficou todo o dia fora. Altagracia tinha o coração acelerado, a apreensão e o medo a traíam, sentia que ele chegaria com a notícia de que já havia acertado os detalhes do desquite e que tudo acabaria entre eles. Além disso, tinham que falar sobre Isabel. Por mais que Saúl fugisse do assunto ela sabia que, ainda que à força, naquela noite a pequena tinha que ser mencionada e seu futuro discutido. Um dos motivos pelos quais se casou com Saúl era para que Isabel não fosse uma criança bastarda, filha tida fora do casamento e, agora que ele já conhecia a verdade, teriam que decidir o futuro da criança e seu sobrenome. E se ele se negasse? E se voltasse a duvidar da paternidade da filha e não quisesse lhe dar seu sobrenome? Talvez por isso se recusava a falar sobre ela.
Eram muitas, muitas perguntas, questões que agitavam o coração de Altagracia e não permitiam que ela pudesse se acalmar. Precisava estar com a filha. Definitivamente, precisava ver Isabel. Deixou todas as ordens do jantar com dona Úrsula e os criados e saiu de casa no meio da tarde. Como costumeiramente acontecia, seu espírito mudou ao estar com a pequena. Seus olhinhos vivos ao sorrir-lhe, como ela brincava e se mostrava carinhosa e dependente de Altagracia fazia com que ela pudesse esquecer, ao menos um pouquinho, tudo o que lhe atormentava. Logo ela deu banho na criança e, depois de alimentá-la, colocou-a para dormir. Estar com ela também lhe ajudavam a recordar a promessa que lhe havia feito. A maldade do mundo não respingaria em Isabel, ela jamais permitiria isso.
_ Passe o que passe, aconteça o que acontecer, vou cumprir minha promessa, filha! – Disse dirigindo ao anjinho que dormia tranquilamente em seu berço. – Por você, minha pequena, por te proteger e estar com você eu sou capaz de tudo, tudo! Acima de tudo sou uma mãe e você é meu maior tesouro. Saiba que sua mãe lutará corajosamente contra o mundo por você, para te proteger!
Recordou o lugar que cada pessoa ocupava em sua vida e, acima de tudo, inclusive de seus próprios sentimentos, estava Isabel. Com Saúl ela tinha uma ligação de amor e mágoa, algo que a dilacerava porque em segundos dentro de si Altagracia sentia com a mesma intensidade uma vontade de matá-lo, humilhá-lo e fazê-lo sofrer e, logo depois, ou ao mesmo tempo, uma paixão que a tomava de golpe e que fazia com que ela quase suplicasse que ele a fizesse sua. "Esta é uma relação nociva, o melhor é dar por encerrada pelo quanto me faz mal. O amor não pode machucar assim, não quero viver por mais tempo um amor assim!" Disse concluindo para si. Tudo, absolutamente tudo, apontava para a conclusão daquela dolorosa história de amor.
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Saúl conseguiu sair da repartição mais cedo do que de costume. Precisava ir ao banco e dirigir-se à Bolsa de Valores para ter em mãos a chave de sua liberdade. Entretanto sentia um aperto no peito ao pensar naquela história. Ao mesmo tempo em que tinha muita raiva de Altagracia porque ela escondeu a filha que tiveram, em quem ele evitava pensar, e pela maneira tão impiedosa em que ela a humilhou, seu coração gritava para que eles estivessem juntos, para que ele lutasse por ela porque sabia que a tinha magoado, que a havia feito mal e que precisava conseguir seu perdão, mas, ao mesmo tempo, de que lhe serviria? Altagracia não o amava! Tudo o que havia feito com relação à ele estava dentro de seu plano de vingança. Por ele o comprou como um escravo, ou até pior, um escravo de luxo, sem ter a menor consideração com seus sentimentos. Por esse mesmo plano escondeu dele a filha que tiveram desde que se casaram e, o pior: também por essa vingança insaciável havia brincado com seus sentimentos entregando-se à seus beijos e indo para a cama com ele sempre que o havia feito.
Para Saúl, nada de verdadeiro havia em Altagracia e era como se os dois estivessem em uma constante disputa de quem era mais capaz de magoar e ferir o outro. O que Cecília dissera... Cecília estava redondamente enganada, Altagracia nunca o amou! Pode ter sentido pena ou se identificado com sua dor naquele dia porque recordou sua própria dor e a perda de sua mãe. Não o fizera por altruísmo e sim por egoísmo como tudo que ela fazia. "Altagracia só pensa em si mesma e em seus sentimentos. E nesses seus sentimentos... não há nada bom em relação a mim!", concluiu ferido de morte Saúl enquanto encerrava os últimos detalhes burocráticos para ter em seu poder aqueles 15 contos de réis que tanto significariam.
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Casamento Arranjado
FanfictionSe passa em 1870 e narra a história de um casal que se magoou no passado, Altagracia e Saúl, dos quais uma grande herança muda o destino. Altagracia, decidida a se vingar do homem que lhe jurou amor e a trocou por outra mais rica, "compra" Saúl por...