3 - O Preço (+18)

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Saúl se levantou derrotado. Sentiu algo que jamais havia experimentado na vida: o amargo gosto da humilhação. Ele podia ver nos olhos de Altagracia toda a altivez e soberba que a caracterizavam agora. De fato ela era a dona, não havia dúvidas. Suas palavras ainda ecoavam em sua mente; como ela disse que daria o dobro ou triplo somente pela satisfação de vê-lo tão humilhado. De repente, seus pensamentos foram tomados por tudo o que aquilo devia significar para Altagracia. Queria devolver-lhe um ultraje que ele lhe havia feito. A dúvida que passou por sua mente na noite anterior era mais que real: Altagracia havia sido mortalmente ferida por seu agravo de deixar-lhe depois de ter lhe feito promessas de amor e de haver arrebatado-lhe a honra. Ainda assim se sentia ultrajado no seu mais íntimo orgulho. Ela não tinha o direito de humilhá-lo daquela maneira. Entrar naquele quarto como uma esposa submissa aflita para pertencer ao seu senhor para depois referir-se a ele como um traste, um adorno qualquer que uma mulher honesta necessita e quer exibir para suas amigas e para a sociedade, um capricho que ela obteve graças à milionária e surpreendente herança que recebeu.

Saúl não acreditava em como havia sido ingênuo. Deixou-se levar pela paixão. Acreditou demais na sorte, sua alma de apostador o fez crer, um dia antes, que ele havia sido contemplado com o prêmio mais valioso do mundo: o amor de uma mulher que ele adorava como uma deusa e que as circunstâncias o haviam obrigado a abandonar. Agora, com aquela afronta lançada diante dele, percebeu como havia sido tolo, que essa não era uma mulher como as outras. Como havia sido ingênuo de acreditar que a sorte não lhe falharia. O coração de uma mulher é um território muito mais complexo que um jogo de cartas. Havia apostado alto, sentia que havia jogado as cartas certas. Não amava Jimena, teu casamento com ela se tratava de uma conveniência social, então porque não acertar um casamento por conveniência com outra que oferecia um dote quase quatro vezes maior?

Mas essa outra não era uma mulher qualquer. Era Altagracia, uma mulher ferida e modificada por sentimentos de amargura em grande parte provocados por ele. Ainda assim ele se sentia ofendido, mesmo reconhecendo suas culpas com relação à ela. E agora ela o olhava vitoriosa, triunfante desfrutando da humilhação dele como um prêmio pelo qual lutou arduamente. Altagracia arrastou uma cadeira e sentou-se frente ao lugar que havia indicado a Saúl.

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Início de Flashback

Rio de Janeiro - 1868

_ O que aconteceu, Saúl, porque tanto desânimo? - indagou Altagracia quando ele retornou da entrada do teatro.

_ Não me preveni para um contratempo. A obra teve muita procura, chegamos em cima da hora, não há mais entradas.

_ Ah, não, que lamentável. - queixou-se Altagracia.

_ Bom, agora só nos resta irmos até a casa de meu amigo Antenor. Nas noites de quarta-feira ele sempre realiza saraus e eu sei como te encanta a poesia. - disse Saúl brincando com o queixo de Altagracia que sorriu.

Voltaram para a carruagem lamentosos de haver perdido a obra de teatro, mas não tristes. Pelo contrário. A satisfação de estar juntos era evidente na presença dos dois e a alegria nos olhos de Altagracia revelou a Saúl algo que ela não fazia questão de ocultar: estaria feliz com ele em qualquer lugar, em qualquer circunstância só por estar com ele. Altagracia era uma mulher jovem, encantada pela literatura e consciente dos próprios sentimentos, sabia que um amor como aquele não era simples de encontrar, era daqueles que valiam por toda a vida só pela satisfação de havê-los vivido.

_ Antenor é o dono da carruagem. - contou Saúl. - Tu conheces alguns amigos que estarão lá essa noite. Vais gostar do sarau.

_ Tenho certeza que sim. - exclamou Altagracia feliz recostando-se sobre o ombro de Saúl.

Casamento ArranjadoOnde histórias criam vida. Descubra agora