Casamento Arranjado

5 - Uma Sentença

Acompanha o capítulo a canção No querías lastimarme - Glória Trevi

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Rio de Janeiro 1870

Úrsula pareceu se assustar com o atrevimento de Saúl. Ela conhecia alguns detalhes daquela história, alguns que Saúl ignorava totalmente também, mas não tinha tanto conhecimento do que seria a vida íntima dos dois. Até porque Altagracia não era só imponente como sempre se mostrava, mas também imprevisível. Altagracia, por sua vez, não se intimidou, olhou-o o firme e perguntou se ele queria lagosta, que era uma das iguarias servidas no farto almoço típico de uma casa de uma família abastada como era agora o casal Aguirre e a parenta de sua esposa que os acompanhava, a senhora Úrsula. Saúl se impressionava com a perfeição em que Altagracia conduzia seus gestos, mesmo naquele momento tão atípico.

_ Posso te servir lagosta, meu marido? – indagou Altagracia com uma tranquilidade que chegava a irritar Saúl.

_ Eu devo comer? – ele indagou sarcástico.

_ Não tem fome, meu amor? – ela embarcou em seu tom sarcástico.

_ É a felicidade, ela tira totalmente o apetite. – ele respondeu ensaiando um sorriso.

_ Se é assim, eu não poderia ter nenhuma fome. Por que, há mulher mais agraciada que eu? – ela respondeu devolvendo o sorriso.

Os dois pareciam estar disputando uma partida de qual era mais sarcástico que o outro. Como se estivessem testando se conseguiriam encenar o número a que se haviam proposto desde a noite anterior: a de um apaixonado casal. Mas, nas pequenas palavras e nos gestos toda a animosidade entre eles era visível e notável, especialmente para eles mesmos. A pergunta que estava no era até onde chegariam com esse jogo de se machucarem mutuamente?

_ E, por isso mesmo, por tanta felicidade, que me impressionou tua disposição de sair logo pela manhã. – Saúl voltou a tocar o tema que o deixava extremamente intrigado.

_ Depois do almoço falamos sobre isso. Teremos uma tarde toda para uma agradável conversa, não é mesmo, meu marido?

Altagracia sempre utilizava essas palavras, meu marido, de uma maneira especial, como se elas representassem sua vitória dentro daquela disputa que travava com Saúl. Talvez não a vitória total, porque essa ela sabia que seria mais trabalhosa e talvez fosse até pesada demais para ela. Mas a vitória em uma batalha, aquela que ela acreditou que iria destruí-la, a de seu abandono.

_ Sim, não só esta, como muitas outras tardes por toda nossa vida. – Respondeu Saúl sorrindo, cedendo às escapadas de Altagracia do assunto.

Por toda nossa vida. A frase representava realmente um triunfo para Altagracia, o triunfo sobre aqueles tragos amargos que ela havia conhecido há dois anos.

🎵Ajá, que no quieres lastimarme...
Ajá, que no era tu intención...
Que jamás imaginaste, que llegaríamos hasta hoy
Que es mejor terminar todo, para que no sufra tu amor.🎵

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Rio de Janeiro 1868

Já havia quase um mês que Altagracia e Saúl haviam estado juntos na casa de seu amigo Antenor quando Altagracia recebeu aquela carta. A carta era direcionada a Sofia, mas o remetente era Saúl e ela desconfiou de seu conteúdo. Não queria entregar à sua mãe e ser a portadora de um desgosto tão grande ainda mais que sua saúde era tão delicada. Ele havia visitado-a algumas vezes, como seu pretendente que era, mas ela percebeu nele uma mudança e uma frieza. Ele lhe garantia que haver estado com ela foi o momento mais lindo de sua vida, mas que se sentia culpado por isso. Essa sua postura fazia Altagracia desconfiar. Se ele tinha intenções de casar-se com ela como dizia, por que sentir-se tão culpado de haver feito amor com ela consentidamente?