MAIS UM DIA TRANCADA naquele lugar. Por mais que fosse uma das maiores casas de Veneza, a casa de Nìcolla Gismondi estava mais para um calabouço do que para uma residência. Em uma casa uma pessoa teria liberdade, poderia ir aonde quisesse, teria independência para fazer o que bem entendesse. Nìcolla vivia em uma espécie de prisão de ouro. Um local cercado de luxo e riqueza, que sequer estavam ao seu alcance.
Quem detinha sua herança era o padrasto, Fulgenzio Abbiati. Ele tinha a posse dos bens de Nìcolla desde quando ela tinha 12 anos. Um homem sem coração, sem escrúpulos, que fez da vida da vida de Azzura, mãe de Nìcolla, um inferno. Nìcolla ainda guardava vagas lembranças dela, que era uma mulher belíssima e dizia que a filha se parecia com ela, e não com o pai. Nìcolla sentou-se na cama, lembrando-se dos bons momentos de sua infância dourada.
Depois, seguiu até o banheiro para tomar um banho. Enquanto tirava as roupas e se jogava no jato de água morna, lembrou-se que depois que a mãe faleceu, Fulgenzio lhe tirou do seu antigo quarto e a obrigou a dormir na ala dos empregados. O ambiente em que dormia não era luxuoso como os outros cômodos. Havia uma cama de solteiro simples e o chão era de carpete. Do outro lado, uma mesa de madeira antiga e sobre ela, alguns livros que foram de Azzura.
As gotas de água morna caíam pelo seu corpo e relaxou com essa sensação. Secou-se com uma toalha e trocou o pijama por uma calça confortável e uma blusa simples. Nìcolla deixava seu cabelo sempre do mesmo jeito. Gostava deles longos, assim como os de sua mãe, que também foi dona de lindos cabelos longos e claros. A pele clara também herdou dela. Do seu pai, o jeito justo e sincero. Nìcolla nunca gostou de mentir para ninguém. Aliás, para quem ela iria mentir, se nunca sequer teve amigas ou amigos?
Deixou o banheiro e estendeu o lençol da cama. Sentou-se novamente e se recordou que naquele dia começava o famoso Carnaval de Veneza. A Piazza di San Marco estaria cheia de pessoas mascaradas e fantasiadas com ricos e adornados trajes. Ela havia ido apenas uma vez, quando tinha seis anos. Tempos felizes em que seus pais estavam vivos. Eles se vestiram para a festança e a levaram para observar o espetáculo que acontecia à noite. Lembrava-se como se fosse ontem. Balões e pessoas dançando coreografias muito bem ensaiadas, além de muitas luzes coloridas e centenas de turistas.
Ela não tinha celular. Fulgenzio temia que ela o traísse, de que ela fugisse e contasse a todos como ele a tratava. E era exatamente isso que ela faria naquela noite, fugir daquele pesadelo. Não saía daquele lugar desde seus doze anos. Hoje com 21, ela sentiu-se que se não tentasse algo, acabaria como sua mãe, com depressão profunda e irreversível.
Nìcolla tinha a posse de algumas jóias escondidas da mãe. Ela tinha duas opções, fugia de lá ou continuava naquele calabouço sem fim. As jóias estavam escondidas abaixo de uma das cerâmicas do quarto. Fulgenzio nunca soube, pois sua mãe implorou no seu leito de morte para escondê-las dele e usá-las para um bem maior.
Precisava deixar o quarto ou uma das criadas veria que algo estava errado. Nìcolla suspirou alto e desceu as escadas de mármore com detalhes em ouro. Tocou o metal dourado e frio do corrimão enquanto descia ao hall. Móveis com estofaria da Belle Époque. Tons claros de azul se misturavam ao luxo do ouro. Madeira entalhada, uma cristaleira cheia de bebidas alcoólicas caras e oriundas de todo o globo. Fulgenzio as bebia, enquanto se divertia e trazia suas amantes para lá. Ela também necessitava tomar café com os criados, já que era expressamente proibida de alimentar-se na cozinha elegante e reluzente.
Cumprimentou as empregadas com um aceno e sabia que Fulgenzio as proibiu de falar consigo. Vivia ilhada, mesmo com pessoas ao seu redor. Não havia ninguém que poderia salvá-la. Uma amiga, um amigo, um amor... Um amor. Sonhava em algum dia encontrá-lo.
Alguém que a fizesse perder os sentidos e que lhe encantasse, como ela lia nos antigos romances de Azzura. Uma pessoa que fizesse seu coração bater forte e que lhe deixasse de joelhos bambos. Cortou um pedaço de pão redondo muito macio e passou um pouco de manteiga. Uma vez por semana, Nìcolla colhia folhas de ervas nos jardins para fazer seus chás e naquele dia, ela fez de hortelã.
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A Herdeira Perdida - Série Apaixonados e Poderosos - Livro 3 (COMPLETO)
Roman d'amourAtenção: livro não está revisado! Futuramente, passará por uma nova revisão e edição! "Homens poderosos, afetados por paixões arrebatadoras". Marcollo Bulgarelli, um engenheiro de petróleo temido nos negócios, é injustamente preso por assassinato ap...