Jaqueta

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 Você é forte, não chore Ana.

Ana encarava seu rosto na frente do espelho, suas mãos apoiadas na pia do banheiro, ouvia batidas na porta do quarto e ignorava os chamados de sua irmã.

- Você é forte?

Tentava não pensar em Daniela  e no seu passado, mas era praticamente impossível.

- O universo mais uma vez brincando com você, hein Ana? Qual é, você pode fazer isso! Eu sei que pode Ana, você consegue.

Não podia deixar Daniela atrapalhar sua felicidade.

Felicidade.

Vitória não saia da sua cabeça. Não sabia como conseguiria encará-la, não queria e não podia compará-la a Daniela, mas era outro fator inevitável. Saiu do banheiro e sentou na cama, observou o quarto como se não conhecesse nenhum dos objetos, sua cabeça estava muito longe daquele cômodo. Ouviu mais uma vez alguém bater na porta e deitou-se na cama com os braços esticados encarando o teto.

- Estou bem - gritou - Estou bem - a segunda frase saiu em forma de sussurro, era mais para Ana do que para qualquer outra pessoa.
Olhou para a parede e viu a jaqueta de Vitória, suspirou pensando novamente que o universo não estava colaborando, não queria pensar em Daniela e em Vitória ao mesmo
tempo, era cruel demais com Vitória . Levantou-se da cama e pegou a jaqueta que ainda estava pendurada na parede, do mesmo jeito que a deixou no dia que Vitória a trouxe
em casa, voltou para a cama com a jaqueta em mãos e a cheirou. Tentou desesperadamente controlar o choro.

- Você é forte, não chore. Se você a ama, não chore. É preciso fazer isso, você a ama. Deitou mais uma vez na cama abraçada a jaqueta de Vitória  esquecendo que existia um mundo além das paredes daquele quarto.

[...]

Os passos de Vitória eram lentos, sua cabeça doía com as informações de Daniela, seu estômago se embrulhava ao imaginar Ana sofrendo toda aquela violência descrita pela prima. A tontura chegava aos poucos, sua visão ficando turva e o mundo girando
devagar, Vitória se apoiou na porta de seu carro e respirou fundo tentando buscar controle para continuar, encostou sua cabeça no carro e sentiu o choro preso em sua garganta, a lembrança do sorriso feliz de Ana se misturava a lembrança de seus olhos
surpresos e tristes ao ver Daniela, era uma mistura confusa que a deixava temerosa. Tentou se acalmar controlando sua respiração, precisava correr, precisava ver Ana, a urgência
de tomá-la nos braços e protegê-la de todas as lembranças revividas era devastadora.

Abriu a porta do carro e percebeu que suas mãos tremiam, antes que pudesse entrar sentiu outra mão a segurando, diferente das suas, era uma mão firme, pintada em algumas
partes com sangue, era uma mão delicada e quente. Outra hora, em outro dia Vitória não hesitaria em segurá-la. Aquelas mãos que tantos momentos antes desse dia a fizeram
se sentir segura, amada e compreendida. As mesmas mãos que a seguraram firme quando
precisou enterrar Sophi, os braços tão familiares que a abrigaram enquanto chorava pela filha que pensava estar morta e em tantas outras vezes, primeiros amores, primeiras
descobertas, primeiras decepções, aquelas mãos estavam lá, eram em todo o tempo estendidas com generosidade e amor. Daniela sempre estava lá. Daniela era família. Mas
dessa vez aquelas mãos não a acalmaram, nada no mundo acalmaria Vitória de toda a
tensão que sentia em seu corpo, nada no mundo poderia trazer de volta a paz que precisava. Não naquele momento.

- Vitoria, por favor - Daniela tinha a voz fraca e trêmula - Não faça isso, pense no Lorenzo.

- Lorenzo? - Vitória se lembrou do menino doce e gentil, esperto e carinhoso, tão diferente do pai, tão inocente... - não use o menino de muletas para justificar os seus erros Daniela,você já fez isso o bastante, ele não merece. Michael não pode ficar solto depois de tudo o que fez a Ana e a você, será que você não percebe?

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