Raízes Despertas

O Despertar

Eu senti cada pequeno ponto do meu corpo, cada músculo, cada célula, se transformar em fogo. Era como se tudo em mim queimasse. Meus olhos ardiam como se eu estivesse em uma enorme sauna, e meu cabelo também queimava, como se tivessem ateado fogo nele.
Logo, tudo ficou escuro. A sensação de calor e queima se abrandou a um ponto tolerável, e a minha frente na escuridão completa se encontravam imensos pontos em chamas. Seu calor transformava o que eu havia sentido a poucos segundos atrás em uma brisa calma de verão. Eu sentia minha pele derreter e meus olhos saltarem nas órbitas apenas ao ter aquela visão assustadora.
Imensos olhos de fogo vermelhos... Chamas de sangue...

Você é meu

Eu conseguia ouvir diversas vozes abaixo daquele grito agudo e destrutivo que meus sonhos haviam mostrado antes de encontrar a mansão. Mas acima daquele tom de sons e vozes eu só consegui distinguir um gutural "Você é meu".
Coisas que eu não podia ver se enrolavam em mim e pareciam me prender no lugar. A escuridão me agarrava enquanto aqueles olhos enormes se aproximavam.
Eu senti minha pele pingar em gotas de meus ossos para o vazio escuro. Sentia meus músculos derretendo e escorrendo pelo meu corpo.
Já não sobrava nada. Eu não podia ceder a morte daquela forma.
Me entreguei, e a sintonia que eu senti com aquela força destruidora me mostrou coisas que eu nunca vi antes.
E vi enormes pirâmides em um lugar devastado pelo pó do passado...
Eu vi um homem viajando por séculos sobre um mundo em constante deformação...
Eu vi um cristal negro ser passado e repassado de mãos em mãos por eras e mais eras...
Eu vi um homem, de trajes antigos e caros, em um escritório, com a planta de uma construção imensa sobre sua mesa...
Willburn... Willburn Elderwood.
Era ele... A mansão... A planta da mansão tinha o formato do cristal negro.
Willburn Elderwood...
O parque.
Willburn Elderwood...
A floresta.
Elderwood...
A mansão.
...a seita...
O homem careca.

Willburn era mais do que um rico excêntrico, como Tom havia dito.
Era um fanático.
Não bastava trazer e fortalecer sua seita por diversos anos consecutivos, mas aquela coisa lhe deu anos extras além do possível para que ele fizesse seu templo em um local devidamente isolado.
Agora nem as rugas e a cabeça raspada escondiam a semelhança clara com o antigo fundador daquele local.
Ele deu o caminho, eu era a chave... E aquela entidade estava pronta para retornar para a superfície da nossa realidade.
Eu a ajudaria... Eu a serviria... Com uma condição.
Não sobraria mais nada.
Era hora daquilo que fora aprisionado pelo medo, através do próprio medo retornar... Eu teria minha vingança.

As estruturas de rocha e a caverna com todo o solo a sua volta começou a tremer. Algumas estalactites começaram a desmoronar. Me deliciei ao ver três daqueles que destruíram cruelmente minha Susan daquela forma serem, coincidentemente, empalados vivos por estacas de pedra que caiam do teto.
Alguns se ajoelhavam perante mim, sem eu entender o porquê. Outros corriam gritando até a saída... Os mais covardes.
Willburn se aproximou de mim junto com Mônica e Thomas.
Ambos se ajoelharam perante meus pés.
– Traga seu reino de volta a essa terra... Ó glorioso... Preencha nosso vazio com o caos verdadeiro... Com a realidade gloriosa do teu império.
Eles suplicavam... Eu achei divertido.
Era eu?... Eu não sei dizer...
Nossa mente já estava simbióticamente conectada... Unida em uma só.
Eu apenas senti o impulso do meu corpo avançando e minhas mãos tocando suas cabeças.
Eles choravam de alegria. Mônica beijava meus pés.
Ao olhar para os fugitivos, me espantei ao ver que todos estavam pegando fogo e gritando. Apenas os ajoelhados e fiéis estavam intactos enquanto me adoravam.
Adoravam a ele...
Estava em mim...

Zamahak

Eu vi a floresta em chamas...
Eu vi o tronco sem pernas e sem vísceras de Troy pendurado em uma cozinha improvisada no subterrâneo...
Eu vi Susan... Abusada, com o olhar distante e frio. Nua e bela em sua morte.
Eu vi Alan, com o rosto irreconhecível, mas com seus olhos originais, liberto de uma das milhares de influências malignas que agora saiam aos montes de mim.
Eu era um portal.
Eu era o hospedeiro daquele ser imensurável... Aquela entidade devastadora... E meu corpo era um portal para trazer suas tropas e seus servos mais perversos a esse mundo.
Milhares de espectros e sombras saiam do meu corpo e vagavam caverna a fora. Iam para a mansão em chamas... Para a floresta igualmente incendiada... Para o mundo.
Eu precisava parar.
Mas tinha que ter a última certeza.

Eu puder ver Anna. Ela estava aterrorizada, eu podia sentir. Estava em uma estrada, em uma van que eu conhecia. Estava ferida, mas carregava sua mochila e estava ao lado do motorista que havia nos trazido até lá... Ela estava indo pra casa. Longe de mais para que esse mal a tocasse no momento.
Fui egoísta de pensar em usá-lo para destruir o que havia me destruído... Eu mesmo me destruí. Eu teria que parar de ser um merdinha egoísta pelo menos uma vez na vida.

Eu iria para-lo.

Por tudo que fosse bom, ainda