Hanna não sabia quando tudo desmoronou, nem sabia quando as chamas lamberam cada traço de sua alma. Só sabia que o inferno era doce e a cegava, clamava por sua respiração e torcia por sua derrota ao mesmo tempo em que a acolhia no conforto de seus braços. O inferno tinha nome simples e se disfarçava pela auréola que carregava; o inferno pessoal dela, Miguel.
Não poderia também culpá-lo por tudo que a aconteceu, afinal, foi inconsequente ao se apaixonar por alguém impossível. Ele só era tão fácil de amar! Cabelos dourados que contrastavam com a pele pálida e gélida, olhos azuis que faziam-na querer mergulhar em milhares de questões não respondidas e, não menos importante, as cicatrizes de batalha, que demonstravam o quanto vagava pelo mundo.
Miguel cruzou o caminho de Hanna por acaso, mas marcou a vida dela de formas inimagináveis. Não sabia o motivo de ele estar no enterro da prima Emma, muito menos sabia o porquê de apenas ela repará-lo. Seria o destino? Respostas essas que não conseguia achar até hoje.
Entretanto, seus olhos o seguiam. Era difícil parar de fitá-lo. Parar de querer entender o porquê da pele dela arrepiar quando ele se encolhia perto de uma árvore majestosa. Parecia que ele estava com medo, com raiva e ao mesmo tempo implorando por consolo. Os dedos da morena coçavam para trilhar a pele alva do queixo bem marcado e sussurrar-lhe que estava tudo bem. Porém, quando os olhos azuis finalmente encontraram os dela, o despertador tocou, e, como se uma névoa mágica a devolvesse à cama, ela acordou; não passara de um sonho e mesmo assim, Hanna o amou. Esse foi o erro dela. Um dos muitos que já teve.
A cada noite, aquele sonho se repetia. Ela tinha tanta vontade de perguntar a ele seu nome, mas, quando tomava alguma iniciativa de sair de seu caminho e ir até ele, os pés grudavam-se ao chão com tanto afinco, que o esforço denunciava o movimento e os olhos azuis repreendiam-na mais uma vez, fazendo com que ela esperasse por mais uma noite.
Os dias se passavam lentamente e as noites agitadas. A esperança esvaindo das mãos da morena a cada segundo. Então, após chegar da festa de boas-vindas da tia - que estava a passear com David em Berkeley -, com lágrimas brilhando em toda a face, desabou sobre a cama e adormeceu em meio a fungados.
Em seu sonho, quem estava sendo enterrada não era mais a prima Emma, era ela. Viva. Gritando a plenos pulmões sem ninguém ouvi-la. Batendo os punhos contra a madeira do caixão com tanta força, que os nós dos dedos chegaram a sangrar. Hanna acordou quando os olhos se fecharam. Depois disso, começou a ficar com medo de sonhar. Também ficou com medo de não poder mais sonhar. Por que as coisas tinham que ser assim? Sempre discernidas por escolhas? E se essas escolhas fossem as erradas? Já não bastava tudo o que teve que fazer para chegar até onde estava? Mais pedras só a fariam cair novamente.
Quando não conseguiu mais protelar o sono, voltou a sonhar com o enterro de Emma, e, sorriu aliviada quando os pés não a prendiam mais ao chão. Quis tanto correr para perto daquela árvore e poder abraçar o homem de olhos azuis, que quase não percebeu que ele não estava mais lá – como sempre – escondido. Ele estava mais próximo, tocando com uma das mãos o ombro de Kara, que lamentava a grande perda. Em sua outra mão, segurava uma espada, que para o espanto de Hanna, quando ele a fitou profundamente, apontou-a para ela.
– Culpada – sua voz, como em um sopro, chegou aos ouvidos dela.
Ele sabia... Ele sabia de seus erros. Ele a culpava, a repreendia, a repudiava. E Hanna o amava.
O sonho não acabaria com um final feliz. Na realidade, nunca acabava. Aqueles olhos azuis a acompanhariam e a machucariam cada vez mais. Porém, como ele sabia? Não havia ninguém lá, além dela e Emma.
Acordou assustada, chorando, enquanto um nome ecoava em sua mente: Miguel. Aqueles olhos azuis e afoitos cabelos dourados pertenciam a um Miguel, esse que a levou ao inferno enquanto subia aos Céus.
Então ela soube.
Precisava contar a verdade antes que a culpa a engolisse por completo.
Nota da autora:
Hey, esse capítulo é o conto que originou a história. Na realidade, ele foi escrito em primeira pessoa, mas tive que adaptar umas coisinhas para ficar em terceira. Espero que tenham gostado, ele tem muita simbologia.
Miguel é o arcanjo, aquele que Deus designou para ser seu braço direito na Terra, ele que guerreia contra o mal. Há quem diga que o arcanjo Miguel é o próprio Jesus Cristo, mas com um de seus tantos nomes. De qualquer forma, ele é o ser da justiça e está sempre com sua espada à mão. Também é considerado o líder dos anjos, além de ser extremamente poderoso. Seu dever é proteger o povo de Deus e liderar a luta celestial contra o diabo. Nessa história, ele aparece em sonhos para Hanna, mostrando a ela que a culpa a consumiria até o fim de seus dias. É mais simbologia, que realidade de fato. Espero que tenham entendido o que eu quis dizer! Apesar, que a interpretação vai de cada um. Essa é a minha haha
Até o próximo capítulo! Estamos em reta final!
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EMMA
Teen FictionO que fazer quando sua vida é toda manchada por erros? Será o ódio e a inveja maior que o próprio sangue? Só rivalidade traz o que há de pior no ser humano: a crueldade.