Honestidade

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Capítulo 1

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"Eles são honestos: não mentem sem necessidade."

(Anton Tchekhov)

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Inspirou o ar pesadamente, inflando os pulmões com a coragem necessária, antes de adentrar a extensa passarela iluminada com cores diversas.

Os gritos eufóricos da plateia faziam o coração descompassar-se com a emoção intensa, e Kayla não conteve o sorriso nos lábios pintados de tom carmim ao notar que os seguranças não conseguiam contê-los. Seus maquiados olhos esverdeados dançaram sobre as cabeças e braços agitados dos fãs, observando com uma encantadora discrição o sucesso progressivo de sua carreira como modelo. Representava, desta vez, uma marca razoavelmente conhecida, com vestidos ousados que modernizavam o estilo vintage. Combinava com ela. Um visual marcante que ultrapassava as barreiras do tempo.

A música mudou assim que seus passos graciosos alcançaram a borda da passarela, sua prestigiosa presença era exibida nos telões laterais ao palco e encantava a todos naquela noite. Seu profissionalismo era sereno e envolvente, quase hipnótico aos verdadeiros apreciadores da moda em sua mais intensa arte. Os gritos alcançaram decibéis histéricos, o público abandonava a etiqueta exigida pelo requinte do desfile para apoiá-la. Muitos chamavam seu nome, clamando o mínimo de sua atenção.

Kayla não merecia tamanho acolhimento, mas o necessitava. Por isso, para retribuí-lo, dedicava o melhor de si mesma, movimentando o corpo esguio encoberto pelo vestido preto de rendas rasgadas como uma dança calma. As mãos delicadas e adornadas com anéis brilhosos posicionavam-se sobre a cintura estreita, sob o queixo, acima dos fios vermelhos emoldurados em um penteado excêntrico, em poses que ressaltavam sua exótica figura e revelavam a beleza exuberante do traje de valor mais caro daquele desfile.

As joias e o tecido que a cobriam, no entanto, não ofuscavam seu brilho pessoal. Sobre a passarela, com as luzes refletidas em sua pele alva, o esplendor de sua imagem era capturado pelos fotógrafos dos mais importantes tabloides de Tóquio. Jornalistas miravam satisfeitos o novo ídolo que surgia, confirmando as recentes teorias sobre Kayla ser uma das maiores revelações do ano.

Uma mulher de sorriso doce, íris esmeraldinas e aparência que superava a beleza tradicional era tudo o que Tóquio precisava. Sua classe, graciosidade e voz melodiosa atraíam a atenção do público, tornando-a ainda mais destacável. E havia o fato curioso de ela ser ocidental com um perfeito idioma japonês.

Em sua última pausa na passarela, quando já devia retornar para o camarim, Kayla reverenciou os fãs com um sorriso agradecido. A expressão sincera logo estaria na capa das principais revistas japonesas de moda. Era sua marca registrada.

Sim, todos sabiam. Com tal conjunto promissor, não tardaria para que Kayla representasse os melhores produtos do momento.

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— O senhor está falando sério, Soji-san? — Descrente, a jovem questionou ao empresário, jogando-se sobre a cadeira de plástico no camarim.

— Sim, Kayla — repetiu o sujeito franzino, sorridente. — Se tudo der certo na reunião de amanhã, você representará a nova linha feminina dos produtos da banda de rock Sumire.

A ruiva levou as mãos pálidas com unhas cuidadosamente tingidas de vermelho até os lábios, observando com olhar marejado o rosto enrugado à sua frente.

— É uma ótima notícia! Dizem que Sumire é uma das maiores bandas do Japão! — falou entusiasmada, alheia à expressão incerta de Soji.

— Kayla, você conhece Sumire?

A Garota DelesOnde histórias criam vida. Descubra agora