Capítulo 10 - Final

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15 dias após o início da infestação.
A lamacenta região parecia ter sido esculpida com intuito de impedi-lo de alcançar os portões de Bertmoon Sanatory. A casa de repouso para pessoas com problemas cognitivos e mentais ficava nos arredores de Newtown e como os outros três que Erryl havia visitado parecia impossível de se achar. Todos os outros, sem exceção ficavam escondidos em meio aos campos. Eram construções isoladas e solitárias, provavelmente um espelho das pessoas que o habitavam, perdidas e sozinhas dentro de si mesmas, pensou o professor. Havia uma empatia muito grande de Erryl por tais pessoas que pareciam viver num mundo próprio, tanto que pelo menos uma vez por mês ele se dedicada ao trabalho voluntario de ir até o sanatório de Lagun Street, um instituto bem mais modesto do que todos os que havia visitado ali em Newtown, e assim ele passava o dia todo ouvindo os 'doentes', e diferentemente dos enfermeiros que os tratavam com indiferença, talvez pelo habito do oficio de não se apegar aos seus pacientes, Erryl os considerava, às suas maneiras, pessoas mais sãs do que a maioria. O professor simpatizava com uma senhora em especial, a senhora Lerein, que havia ido para o instituto com apenas 16 anos vítima da esquizofrenia que havia se iniciado após um acidente, onde ela julgava ser perseguida por monstros. Erryl passava horas só com ela, ouvindo e vendo repetidamente os desenhos que ela havia desenhado na juventude e até mesmo os que ela ainda desenhava. Eram os desenhos dos monstros que ela via, desenhos estes que os médicos tentaram proibi-la de desenhar no intuito de cura-la, mas que perceberam mais tarde que era justamente isso que ainda a mantinha com um pouco de controle.
Lerein dizia:


— Se você os desenha no papel você aprisiona eles, e você fica protegido...
Ela repetia isso incontáveis vezes para Erryl naquela época, e o fez até completar seus 46 anos, quando morreu vítima de uma grave pneumonia. Havia uma grande amizade entre ele e Lerein, isso porque ela sentia que suas palavras não eram rechaçadas e negadas como acontecia com os funcionários para quem ela tentava sempre alertar da proximidade dos monstros. "Você precisa aprender a desenha-los para se proteger" ela sempre dizia e foi por isso que por 5 anos Erryl fez cursos de desenho para aprender a retratar o que via. Mesmo naquela época Erryl já acreditava nas palavras de Leiren, porque ele queria que aquelas coisas realmente existissem para que ele pudesse ver a cara de todos os seus amigos e colegas que conheciam seu 'hobbie' e o debochavam.
Na época que Leiren era viva, Erryl nunca havia se deparado com nenhum ser com similaridade próxima a dos monstros que ela desenhava, apenas 3 anos após a morte dela é que o professor se deparou com o culto de Az'Vardum por cujo mistério ele se apaixonou, justamente pelo fato das criaturas retratadas nos pequenos tomos da qual ele teve acesso serem exatamente iguais aos quais Leiren tinha desenhado em vida. O professor ficou ao mesmo tempo assustado, entusiasmado e triste com tal achado, assustado porque encontrar tal culto levava a dar mais peso de veracidade para tudo o que Leiren havia visto ou imaginado, mas foi justamente isso que também o entusiasmou, poder de uma forma se aproximar do mundo daquela senhora e assim trazer à tona que o que era considerado a loucura dela era uma habilidade única. E era triste pelo fato de que uma pessoa havia morrido depois de passar a vida inteira sendo considerada louca e trancafiada num lugar sozinha.
E agora enquanto Erryl caminhava pelo lodo de um pântano, para chegar em mais um daqueles lugares a sensação de tristeza era mais forte do que nunca, porque ele sabia que Leiren estava certa. Muito antes de qualquer um saber de Az' Vardum, ela já tinha visto os mundos que existiam além da consciência humana e muito além disso havia encontrado a forma para se proteger deles. O desenho no papel era uma antiga mágica que Erryl aprendeu e aperfeiçoou com a ajuda de Julius para ambos se protegerem das criaturas. O Feitiço as desenhava no papel em branco e as prendia. Foi com isso que Erryl se protegeu ao entrar nos outros três sanatórios que havia visitado, que estavam infestados pelos corpos dos pacientes e funcionários profanados e transformados e pedaços podres de carne que agora serviam institivamente ao desejo de devorar e infestar a serviço do mundo Az' Vardum.
Enquanto enfrentava o lodo para chegar até o portão do instituto Bertmoon, o celular do professor tocou, era Julius.
— Você tá vendo eles? — perguntou o homem do outro lado.
— O quê? — perguntou Erryl sem saber exatamente do que Julius falava — Vendo quem?
— Eles! Estão por toda a parte Erryl! — respondeu Julius com um tom de voz claramente nervoso.
— De quem você está falando Julius?
— Os homens de capas preta — disse o velho — Eles estão rondando a minha casa há dias, parece que estão esperando algo!
O professor parou de avançar contra a agua lamacenta.
— Acalme-se Julius... — respondeu Erryl — Pegue sua arma e fique alerta, esse o momento onde esses grupos sobreviventes vão saquear todas as casas que puderem.
— Erryl, eles não parecem um grupo de sobreviventes... — Julius disse em baixo tom — e muito menos ladrões...
— O que você quer dizer com isso?
— Eu não sei cara, só acho que não somos os únicos a saber sobre o mundo que tá tentando destruir o nosso.
— Julius, devem ser alguns malucos, alguma criatura te feriu, cara?
— Não, o feitiço tem funcionado bem contra aquelas que se aproximam da minha casa.
— Ótimo, apenas se proteja. Assim que eu conseguir localizar a garota eu te ligo.
— Certo professor.
O telefone desligou e Erryl sentiu uma fisgada na panturrilha. Olhou para baixo e percebeu que algo estava estranho, aproximou os olhos da agua e viu que o lodo da agua na verdade eram pequenas massas de carne com boca.

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