Aquela época chata

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Tá estranho isso... eu disse que Claudinho era meu lá no começo do conto, agora tá pendendo pro lado do Celso. Porém, teve sim algo entre eu e Claudinho e por isso eu disse: "sei que vou pro inferno com meu relato a seguir". Tá, segue o conto que conto pra vocês...

...

A indecisão do Celso era algo que merecia ser punido a pauladas às vezes, porque ele me queria e não queria abraçar o que vinha junto com a possível relação. Quinze dias depois que o patrão me dispensou e eu cumpria lindamente meu aviso prévio trabalhado, o homem voltou atrás. Não... comigo é assim a recepção de uma notícia dessas:

— AH TÁ! QUEM NÃO QUER SOU EU!

— Cley, não grita. Se tu não quer, só diz que não quer e deu, mas usa um tom mais baixo.

— Sei lá, Celso, às vezes parece que tu tem vergonha do meu jeito.

— Não gosto desses gritos.

Eu nunca fui de me magoar tão facilmente, nem de carregar aqueles tipos de rancores a ponto de me fazer mal, só que com o Celso, tudo era meio amplificado e eu começava a sofrer.

— No aviso, você optou por sair sete dias antes, então... o seu Aparício pediu se você não poderia trabalhar normal e ele paga esses sete dias como horas extras. Fora que pode fazer comissão nesses dias.

— Topo, claro que topo. Quero a hora paga com 100%.

— Pode ser.

— Vai ser. Depois disso, eu recebo meu acerto, rapo meu FGTS e cato minhas economias pra dar entrada num canto. Olha, faço qualquer coisa pelo meu FGTS, depois vou sumir desse shopping.

— Tem outra coisa em vista?

— Lógico que sim. E tenho mesmo porque sei vender, tenho muitos conhecidos e sou conhecido, amor. Não por você, mas quero fazer aquele nojento engolir aquelas palavras. Tu vai ser um que vai ver a loja perder um monte de cliente.

— Não precisa disso, Cley... não fica com raiva de nós.

— De você e das minhas colegas não tenho raiva, mas é do velho mesmo. Mas esquece. — Seco uma gota de "raiva" do meu olho, porque não choro, apenas excreto a raiva pelo duto lacrimal, tá.

...

— Eu sabiaaa! — Abi me convida pra comer um kebab e a gente conversa na praça de alimentação. — Sabia que tu tinha grana guardada, porque nunca te vi gastando, tu ganha comissão que nem água e vive reclamando que tá "apertado".

— Lógico, sou polaco né, raça mais pão dura que tem. — Damos risadas. — Tu é a única pessoa, além do Celso que me paga, (isso de verdade) que sabe quanto eu tiro por mês e a encrenca com o patrão começou há quatro anos sabe porque?

— Pior que nunca entendi.

— Porque sou registrado com o piso da categoria e nos dois primeiros anos, aceitei receber a comissão por fora sem que fosse pra folha e o Celso me explicou que era bom pra mim, porque não tinha que pagar imposto de renda e o INSS dava baixo e essas coisas. Mas daí eu conversei em off com aquele gatinho do sindicato e ele me falou que meu FGTS era 8% do piso e se jogassem na folha tudo o que eu ganhava, era 8% em cima de tudo que eu ganhava. Fora que se eu metesse meu dimdim no banco, não tinha como explicar aqueles depósitos altos, que não eram compatíveis com a folha. Daí cobrei do Celso que jogasse tudo na folha.

— Foi nessa época então?

— Sim, não é coisa recente. Aí teve mais uma porção de colegas que exigiram a mesma coisa. Sei que ele ficava louco cada vez que lembrava disso quando tinha que pagar o FGTS e daí olhava a planilha e meu nome estava lá no primeiro lugar com o valor mais alto das vendas.

Amor ArianoOnde histórias criam vida. Descubra agora