Capítulo 1

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Quatro anos depois...

Elissa deu um pulo e se sentou no capô empoeirado da velha caminhonete, segurando o seu violão. Encontrou uma posição confortável e debruçou-se sobre o instrumento, dedilhando um Sol maior repetidamente. Aquele sempre foi seu acorde favorito. Talvez por causa da sonoridade viva e aberta, ou então pela sensação dos seus dedos tocando aquelas cordas em especial. Ou talvez ela preferisse o Sol maior porque aquele foi o primeiro acorde que aprendeu. Seu pai tinha lhe dado o violão de presente quatro anos atrás, em seu aniversário de treze anos. Nessa época, eles ainda viviam nos arredores de Chicago. Isso foi antes do divórcio, antes das brigas e do rancor que se seguiram. No verão em que seu pai parou de aparecer, de telefonar e até de escrever, Elissa não conseguiu deixar o violão de lado. Ela preenchia o silêncio com música, a única coisa potente o bastante para abafar os seus próprios pensamentos. Agora, enquanto dedilhava aquele Sol maior, ela observava Sarah, que estava deitada no capô, com a cabeça apoiada no para-brisa. Desde que seu pai tinha partido, parecia tolice continuar chamando aquela mulher de “mamãe” ou de “mãe”. Na ausência dele, elas se pareciam mais com companheiras de quarto que se conheceram pela internet, convivendo em um apartamento dividido como se fossem duas estranhas. Elas mal se falavam, a não ser para tratar das tarefas domésticas – quem colocaria o lixo para fora, quem guardaria as compras, quem deveria lavar os últimos pratos na pia. As coisas foram dessa forma por quase três anos, até sua mãe anunciar que tinha encontrado uma casa em Seattle, em um subúrbio “agradável”. Ela argumentou que a mudança era para melhor, que era a chance de elas terem um novo começo e que assim as duas poderiam passar algum tempo juntas, antes de Elissa ir para a faculdade. Elissa bem que queria acreditar nisso – que estar em um lugar novo poderia transformá-las. Só que não conseguia parar de pensar em algo que sua avó costumava dizer. E essa pequena frase ficou ecoando em sua cabeça durante os dois dias de estrada, enquanto, ao lado da mãe, ela cruzava o país: aonde quer que você vá, lá você estará. Como poderia uma nova cidade, uma nova casa, mudar qualquer coisa entre elas? Será que já não era tarde demais para isso? Elissa trocou de acorde e começou a tocar o refrão de uma velha canção do Bleeker Street. Quando ela tinha dez anos, seu pai tinha lhe dado de presente um CD deles, como parte da sua “educação musical”. Enquanto tocava, ela olhava por cima da cerca viva à sua frente. Só o que conseguia ver era o topo das paredes de pedra.

– Vocês devem ser as Cassidys! – Uma voz se dirigiu a elas de repente.

Elissa se virou atraída por ela. Um sedan preto de luxo encostou do outro lado da rua e um homem baixo e calvo saiu de dentro dele.

– Dan Gifford. Desculpem o atraso. Eu esqueci o celular no escritório. Na certa vocês tentaram me ligar. – Ele secava o suor da testa, enquanto se explicava. – Só uma dúzia de vezes – Sarah respondeu, sentada no capô da caminhonete.

Seu cabelo loiro e ondulado pendia à altura dos ombros, sua pele estava rosada, graças à espera de uma hora e meia, debaixo do sol.

– Mill perdões por isso, senhora – Dan murmurou. – Mas agora me deixem mostrar sua nova casa.

Com um chaveiro lotado em uma das mãos, ele se atrapalhou um pouco até encontrar a chave certa.Quando finalmente conseguiu abrir o portão de madeira, revelou-se o sobrado de pedra que ficava além dele. Elissa quase riu quando ele apareceu diante dos seus olhos. Aquela casa era umas dez vezes maior do que o apartamento delas em Chicago. A parede da frente tinha três janelas grandes, com colunas trabalhadas enfeitando a entrada. Não era enorme, não era uma mansão, definitivamente. Mas, mesmo assim, era a maior casa em que ela já tinha morado. Elissa estava começando a pensar que talvez Sarah estivesse certa – talvez este fosse o ano em que as coisas mudariam para elas. Sarah abriu a traseira da caminhonete e Dan as ajudou com algumas caixas pequenas, deixando seu suor pingar em cima delas.

A última casa da ruaOnde histórias criam vida. Descubra agora