Terno de Reis

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De Karina para Laís

Terno de reis

Desde 1950, a simpática Muqui, região dos vales e dos cafés no Espírito Santo realiza uma grande festa no dia 20 de Janeiro. Uma das mais antigas e importantes do Brasil de seu gênero, Folia de reis, ou também conhecida como Terno de Reis, se repete todos os anos desde então. Ganhando música e percussão devida da comemoração, grupos festeiro-religiosos percorrem casas de fiéis católicos, revivendo a história dos Reis Magos a procurar o esconderijo onde nasceu Jesus, fantasiados a caráter pro evento.
Algumas famílias locais são pré-determinadas para receber cada uma destas folias após a bênção na igreja, colocando em sua porta uma bandeira e servindo cada qual um gostoso lanche para o grupo que hospeda, durante o qual os Palhaços — representantes de Herodes — fazem demonstrações, cantam e recitam, esperando uma pequena recompensa. Quanto mais o Palhaço pretende ganhar um dinheirinho, mais ele canta, dança, recita e faz piruetas.

Naquele ano, Ricardo mais pela última vez se vestiria de palhaço para participar da comemoração. O Jovem rapaz tinha intenções fazer seu tão aguardado intercâmbio e sabia que ir para o Canadá, iria mudar completamente sua vida. Mesmo amando as tradições de sua terra, não poderia ir sem se despedir no melhor estilo.

Com as músicas na ponta da língua e com a fantasia de palhaço que se dava a uma roupa colorida e uma mascara de demônio, partiu para a praça ao encontro de seu folião. Ao ver seus amigos, se juntou a eles e ouviu atento a fala do padre Zé, dando abertura a festança local. Os doze foliões partiram de casa em casa cantando as canções. Todos estavam empolgados e a cada residência visitada, seu grupo contagiava os moradores e as crianças que os seguiam saltitantes, entoando junto as cantigas.

Afastando-se do centro, pegaram a estrada que dava para as fazendas próximas da cidade e ao cair da tarde, puderam avistar a última bandeira na porta de uma das casas. O caminho estava escuro devido a luz do poste estar queimada. Não se deixando abater pelo cansaço, respiraram fundo e seguiram caminho da mesma forma que começaram. Com suas violas afinadas, Ricardo saiu na frente como nos atos anteriores e com uma gargalhada alta, avisava que eles já se aproximavam.

Ricardo conhecia aquele caminho e não gostava muito dali. Todos os anos, Santana, o proprietário da fazenda seis implicava com o barulho e agitação do folião. Ameaçando sempre soltar os cachorros que com o som, ficavam bravos e latiam alto.  Dono da propriedade aberta, suas ameaças nunca foram reais, mas por ser solitário e quase não interagir com as festanças da região, todos os moradores o achavam estranho e tinham medo dele. Alguns, até diziam coisas sobre seu passado, mas só passavam de boatos.

O líder do folião até conversou com o padre, sobre não passar na última casa, mas seria injusto com dona Márcia, que se alegrava em poder participar da tradição. Uma senhora de sessenta anos que não podia mais andar, mas que sentia parte da festa ao recebê-los em sua casa todos os anos.

Entretanto, ao se aproximarem da fazenda do Santana, Ricardo reparou, por baixo de sua máscara que o velho senhor estava no mesmo local de sempre com o semblante fechado e um olhar de puro ódio. Ele sentiu que o vento tinha parado e sua raiva, alcançado todos seus amigos. Todos pararam de repente, quando viram as criaturas vindo na direção deles. Eles estavam acostumados, mas eles sempre paravam quando a coleira os paralisavam. Diferentemente dos outros anos, naquele momento, não havia coleira nos pescoços dos cães.

Os grandes cães pretos com as bocas cheias da babas, corriam veloz na direção do grupo. Ao notarem, todos correram em direções distintas. Ricardo, seguiu para dentro do campo ao lado, mas ao perceber que colega estava sendo perseguido por um dos cachorros, ele tentou chamar atenção do bicho para salvar a vida do colega.

Ele passou a correr para dentro do campo aberto e viu que o animal não cessava atrás dele. Mesmo com os joelhos ardendo e com a respiração alterada, Ricardo corria o mais rápido que podia até que em certo momento ele parou de ouvir o animal e ao olhar para trás, viu que era apenas ilusão, o animal ainda corria atrás de si. Infelizmente, o jovem rapaz não percebeu na cerca de arame farpado a sua frente que impedia o acesso ao vale. Ele acabou se enrolando no arame e com a força do seu corpo se jogar e sair rolando pelo vale com fios cerrando todo seu corpo.

Quando seus companheiros conseguiram afugentar os cães, já era tarde demais. O corpo do rapaz foi encontrado sem vida. E o assassino, ficou solto após por a culpa nos cães. Disse que até tentou socorrer, mas os animais foram mais rápidos. O juiz então decretou o sacrifício dos animais e por assim mesmo o caso se encerrou.

Ricardo e seus sonhos morreram naquela tarde.

Ou não.

Dona Marta conta que o campo é mal-assombrado. Ao cair da tarde, da sua casa ela ainda pode ouvir a gargalhada de Ricardo trazido pelo vento. A risada, de um pobre palhaço que não chegou a voar para seus sonhos, mas que permanece ali, basta parar para escultar.

Amigo Oculto Literário 2Where stories live. Discover now