De Mysha para Valdirene
Dirijo despretensiosamente pelas ruas movimentadas da capital, observando os passantes que andam alheios pela calçada. Cada um deles leva a vida de forma diferente. Alguns são honestos outros nem tanto, guardam segredos obscuros, tem conceitos sociais pré-definidos que ninguém imaginaria, mascarados pelo olhar sereno.
Todos usamos um disfarce que esconde nosso verdadeiro eu, nem adianta tentar se enganar. Existem coisas que não queremos que saibam sobre nós, já outras preferimos escancarar ao mundo e mostrar o quanto somos dignos de fazer parte da sociedade em que vivemos. O dia está se findando, a maioria das pessoas tem pressa de chegar em casa tirar os sapatos e relaxar no sofá vendo um bom filme. Eu não sou assim. Primeiro: não tenho família. Segundo: quero mais é que se fodam com suas vidas medíocres.
Adoro a noite, pois, traz consigo a sensação de que não precisamos usar os disfarces que o dia exige. Não sou sexo frágil, como intitulam as mulheres por aí. Pelo contrário, sou alguém que os homens deveriam temer, mas como qualquer boa pessoa: uso uma máscara capaz de iludir até o mais santo dos deles.
Indivíduos de todos os tipos vagam pela noite escura e se permitem ser o que quiserem.
O empresário bem-sucedido entrar na espelunca fétida do bairro pobre e se entregar ao prazer do álcool.
Um homem de família assedia uma prostituta na esquina e oferece dinheiro por uma transa que possa dispensar as preliminares e enfiar seu pau em qualquer orifício que desejar sem precisar implorar.
A prostituta, se esconde na pele de uma dedicada mulher do lar durante o dia, devota a sua casa e sua prole.
No meio desses que procuram alguma libertação para a alma, existem também aqueles que tentam uma forma de extravasar a sua ira contra as minorias dentro da sociedade. Hoje em especial, estou em busca desse tipo.
Talvez seja hora das apresentações formais. Sou Vall Lucero, tenho vinte oito anos e sinto um enorme prazer em matar. O cheiro do sangue escorrendo pelo chão, o fio de vida se esvaindo pelo ralo e corpos inertes me dão a sensação de que sou a mulher mais poderosa do mundo. De certa forma, sei que sou, porque, nunca fui pega. Meus crimes estampam os jornais mais aclamados do mundo pela brutalidade.
“The Killer, o assassino do carro preto ataca novamente.”
O que impede a polícia de me encontrar? O fato de estarem procurando um homem negro e corpulento há quase uma década, pelas pequenas pistas falsas que sempre deixo no local do crime e a testemunha anônima que viu o tal cara com a vítima em algum momento antes de tudo ocorrer. Detalhe: quase sempre sou a testemunha anônima, já assumi diversos nomes e personalidades nos depoimentos aos tiras. Essa é a parte divertida do meu trabalho.
Os mais de cinquenta assassinatos que tenho no currículo ao longo desses anos me renderam fama, dinheiro e um apelido nada sugestivo de “The Killer”, como sou conhecida no submundo.
Não mato apenas por prazer, no início até foi por isso. Então começaram a me procurar para fazer trabalhos sujos, mas tenho minhas exigências como qualquer assassino de aluguel: não mato mulheres ou crianças e trabalho sozinha.
Todos os homens que levei dessa para a melhor tem uma coisa em comum: humilham as minorias sociais.
Meu alvo é o gerente de uma fábrica de brinquedos que demitiu uma funcionária negra por estar gravida, alegando que ela tinha feito de propósito. O idiota ficou com medo de tomar um processo no rabo, ameaçou tornar a vida dela um inferno, fazendo com que nunca mais conseguisse um emprego decente e ainda tentou estupra-la.
O que ele não sabia é que a mulher negra que julgava incapaz de qualquer ato que pudesse prejudica-lo, é a única pessoa que restou da minha infância desgraçada e me pediu esse pequeno favor.
Espero pacientemente até o momento em que o turno do homem chega ao fim, a descarga de adrenalina me domina. É hora do show!
Conheço as fraquezas do meu alvo: belas mulheres e carros antigos. Resolvi unir às duas coisas hoje. Aproximo o carro devagar pelo estacionamento. Buzino, dou uma piscadela para ele e paro o carro mais à frente.
— Um carrão você tem aqui, hein gata?! — Se encosta à janela no passageiro e analisa minunciosamente o meu decote.
Homens são tão fáceis de enganar, são raras as exceções.
— Quer dar uma volta?
Nem preciso perguntar outra vez, ele abre a porta, senta no banco de couro bege e seu olhar fascinado inspeciona o interior do carro. Depois de alguns momentos babando, o homem se dá conta na minha presença novamente.
— Tu é bem gostosa, o que faz por essas bandas uma hora dessas?
Ele lambe os lábios devagar e eu lanço um olhar afetado. Não posso negar sua boa aparência, mas o que me enche de tesão é saber o que vou fazer em algum momento da noite com o seu corpo. Já posso sentir o cheiro delicioso do sangue escorrendo pelo chão de um motel barato.
— Procurando uma boa foda. — Respondo fingindo olhar o esmalte vermelho das minhas unhas.
Vejo o seu pau duro pressionar a calça. O microvestido de couro preto, com um decote escandaloso a deixa babando, literalmente.
— Não precisa procurar mais, já encontrou. — Diz enfiando a mão entre as minhas pernas e tocando a minha calcinha.
Hora do show!
***
O cheiro do sangue fresco toma o ar, enquanto arrasto o corpo inerte pelo quarto deixando um rastro de sangue. Quando chegamos ao quarto do motel pedi uns drinks no bar e adicionei um pozinho “mágico” a sua bebida, que o deixou consciente enquanto eu narrava a história da minha “amiga”, por assim dizer.
— Por favor, não me mate… Eu tenho família e filhos pequenos… — Implorou grogue pela substância que ingeriu escorando-se na cama.
— Seu filho da puta! Pensa que ela também não tinha uma família? Vai pagar pelo que fez. — Ajustei o silenciador na pistola e mirei no seu peito, mas no último minuto atirei na sua perna.
Ele berrou de dor e não consegui segurar o riso.
— Quem é o machão agora? — Perguntei.
— Pelo amor de Deus… É dinheiro que você quer? Te pago quanto quiser, mas não me mata…
Me aproximei dele devagar e disparei em seu peito, enquanto seus olhos se arregalavam em completo pavor.
— Nos vemos no inferno. — Afirmei um pouco antes dele tombar sobre o tapete ao pé da cama e fechar os olhos sem vida.
Posiciono o corpo próximo a porta, assim o terror da arrumadeira será maior quando o encontrar pela manhã. Sento no chão do banheiro e fumo meu cigarro, ainda com a arma em punho. Matar não me faz melhor que ninguém, se voltasse no tempo, provavelmente ainda teria matado o desgraçado que me estuprou, porém, não iria ter uma segunda, terceira, quarta ou quinquagésima vítima.
Sabe aquele bordão “O crime não compensa”? Continua sendo válido, mas eu ainda tenho mais corpos para enterrar nessa vida. Abro a porta e saio sem ser vista, entro no carro tiro a peruca negra e dirijo pela rodovia até o amanhecer. Paro num posto na estrada, peço um café sento no fundo da lanchonete e assisto o noticiário com um sorriso de satisfação no rosto.Homem é encontrado morto em motel essa manhã. Existem rumores que, The Killer, o assassino do carro preto voltou a atacar novamente.
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Amigo Oculto Literário 2
Short StorySorteio entre amigos do grupo do Whatsapp ajudando escritores, em que cada participante recebe em sigilo o nome de outro a quem deve presentear com uma one shot.