A Má Drasta

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A má Drasta

De Fabi Dias para Crys

María Lionza Dastra viera para o Brasil em busca de uma vida melhor, fugira da crise e da fome que assolava a Venezuela. Aqui conheceu José, um homem trabalhador e viúvo. Se apaixonaram. María não conseguira um trabalho decente, pois estava no país ilegalmente, então tivera que se contentar em ficar em casa mesmo, tornou-se uma “do lar”.

José era um bom marido, um excelente amigo e um pai sem igual. Tinha três filhas, todas lindas e muito educadas, um pouco mimadas , talvez pela compensação da ausência da mãe. María sabia que as menores a amavam e que com o tempo as colocaria no jeito, mas a mais velha era uma folgada de “marca maior”.

As menores estudavam pela manhã, a mais velha estava concluindo o ensino médio técnico e por isso só iria no turno oposto, mas como pegava ônibus, tinha que sair de casa antes do meio dia.

— Anda, María! Preciso almoçar, daqui há pouco pego o meu ônibus.— Falou enquanto trocava o canal da tv.— Já adiantou o almoço?

María estava com uma bacia na cabeça, já havia lavado os pratos, o banheiro e as roupas, agora iria estendê-las na varanda pois a chuva de açoite havia molhado toda a área de serviço. Não aguentou passar por Crys e ouvir o desaforo da enteada. Há três anos era daquele jeito, a menina nunca a respeitou, por mais que a tratasse com educação, a tinha como uma empregada. María fechou os olhos, respirou fundo e sem dizer nada continuou a andar. Depois que estendeu as roupas no varal, foi para a cozinha e terminou o almoço que já havia adiantado mais cedo.

— Aqui está a comida pronta! — Falou enquanto tampava as panelas com fúria.— Pode vir servir-se! — Tirou o avental e encaminhou-se para o quarto.

Enquanto suas lágrimas escorriam, María procurava desenfreadamente por algo. Jogava tudo no chão na ânsia de achar o que tanto precisava. Quando não tinha mais nada dentro do guarda-roupa, ela se encaminhou para a cômoda. Gaveta após gaveta ela ia perdendo as esperanças. Calmamente foi até a cama e sentou-se com as duas mãos apoiadas no colchão. Ficou parada com o olhar vazio até que ele se dirigiu à parte alta do guarda-roupa. Lá estava a caixa que tanto procurava. Subiu em um pequeno banco e a retirou de cima do empoeirado armário.

— Senhor, eu não sou uma pessoa má, o Senhor é testemunha de tudo o que passei e como agi diante do sofrimento, mas agora eu cheguei no meu limite.— Falou olhando para o teto.

María depositou a caixa na cama, tirou o excesso de poeira que a revestia e abriu-a sem dificuldade. Dentre as poucas lembranças da família, tirou de lá uma boneca de pano. Uma boneca que, segundo sua bisavó, pertencera aos seus ancestrais. Uma boneca vodu. María só a guardava como recordação, nunca a tinha usado, mas agora daria uma lição na soberba enteada.

Depois que arrumou toda a bagunça e colocou a caixa de volta no lugar, ela saiu do quarto e foi até a sala receber as crianças que acabavam de chegar da escola. José entrava em casa rindo com as pequenas, era um pai maravilhoso e as meninas o amavam. Crys estava saindo do quarto e correndo para o ponto do ônibus.

— Pai, dá dinheiro pro lanche?

— Filha, você é linda, não precisa de tanta maquiagem.— Falou enquanto tirava o dinheiro da carteira.— Com certeza seu rosto está mais pesado que a mochila.

— Riu enquanto depositava um beijo em sua cabeça.

A adolescente soltou beijo para todos e saiu correndo antes que perdesse a condução. O que lhe faltava de coragem para o serviço doméstico, sobrava para estudar. Era inteligentíssima, uma filha amorosa e uma boa irmã. María chegou a pensar que talvez ela não merecesse o castigo.

Amigo Oculto Literário 2Where stories live. Discover now