De Fabi para Katlin
Ele já estava cansado de ver a família passando fome e não poder fazer nada. Todos o julgavam por isso. O sogro o humilhava, as cunhadas o olhavam como um estorvo e os irmãos sempre apontavam os seu erros.
Tá, ele escolheu a profissão errada, investiu o dinheiro da venda do terreno dela num negócio que não deu certo. Como que poderia adivinhar que perderia tudo?
Naquele dia voltou para casa cabisbaixo, não aguentava mais olhar a cara da vizinhos. Sabia que todos ajudavam sua esposa e filhos, estava se sentindo humilhado.
A vizinha da frente o olhou com pena.
— Levanta a cabeça, João! — Dona Alzira era a única que não o julgava.— Vida que segue, homem!
Ela se aproximou dele e lhe deu um abraço, depois pediu que esperasse e entrou em casa. Voltou logo depois com uma pequena panela bem quente.
— Segura nas alças que a sopa tá quente — instruiu João enquanto lhe ajudava a ter um melhor apoio. — Isso, deixa cair não que tá muito gostosa.
João usou a camiseta de botão para segurar a panela quente, ficou apenas com a regata branca que estava por baixo. Dona Alzira bateu o pano de prato carinhosamente nas costas dele e voltou para dentro de casa. Antes de fechar a porta ela falou:
— Tem jeito pra tudo nessa vida, João, só não tem jeito pra morte.
Ela entrou em casa e ele ficou parado pensando na vida. Mordeu o lado interno da bochecha para evitar que as lágrimas começassem a cair. Assim que tomou coragem, entrou em casa.
— Painho! — o pequeno João Pedro gritou correndo para abraçar as pernas do pai. — Bença, pai.
João abençoou o filho e depois deu um beijo carinhoso na testa da esposa.
— Nada ainda, nêgo?— perguntou já sabendo a resposta. — Deus dá o frio conforme o cobertor, a gente aguenta mais um pouco.
Marisa pegou a panela das mãos do marido e colocou na mesa, apoiou a camisa no encosto da cadeira. Pegou pratos no armário e colocou-os ao redor da sopa.
— Vai tomar um banho que daqui a pouco a gente janta. — Olhou carinhosamente para o marido.— A Claudinha tá cochilando, a febre baixou, tá melhor já.
— Ah, eu trouxe a vitamina caseira que o Tonho falou. Ele disse que é tiro e queda, tomou, fica logo boa.— falou orgulhoso por se sentir útil levando algo para casa. — Disse que como a nossa situação não tá boa, seria bom dar pra todo mundo, pra evitar fraqueza.
Uma porta se abriu e Claudinha apareceu esfregando os olhos. Sorriu ao ver o pai.
— Painho, tava com saudade.— Abraça a cintura do homem que retribui o amor.
— Tá melhor, filha? — Coloca a mão na testa da menina. — Trouxe uma vitamina pra você, tá bom? Vai ficar boa logo!
João beijou a folha e depois se afastou.
— Podem jantar s mim, tô com fome não, mulher.
Marisa sabia que era mentira, ele queria que sobrasse comida para os filhos. Não podia ter escolhido marido mais carinho, nem um pai melhor para os seus filhos.
João se apressou para o banheiro, não queria chorar na frente das crianças, mas estava se sentindo um lixo de gente. Cresceu sabendo que o homem era o arrimo da família e agora dependia dos outros para sustentar os próprios filhos.
Não tinha mais como pagar o aluguel da casinha em que moravam,próxima semana teriam que se mudar para a casa dos pais dela e isso já estava deixando ele preocupado. Não tinha jeito. Iria deixar a esposa e filhos aos cuidados do sogro e depois daria cabo da própria vida.
O sogro havia pago um seguro de vida pra ele quando começou a trabalhar em local perigoso, mas não ficou nem um mês porque a empresa faliu. O contrato do seguro já iria vencer, ele teria que morrer antes disso para deixar algo para a família. Aquele veneno estava com ele há uma semana, ia e voltava da rua em sua companhia. Só estava esperando Claudinha ficar melhor para depois partir.
Enquanto a água caia sobre o seu corpo, as lágrimas escorriam de seu rosto. Era um homem bom, mas não aguentava vê a família passando necessidade. Os filhos iriam perdoá-lo um dia, a esposa também. Só não sabia se teria o perdão de Deus. Orou o pai nossos diversas vezes, puxou a cortina e pegou a toalha. Se enxugou, depois se vestiu. Não poderia ser encontrado nu, seria uma falta de respeito.
Colocou a calça e a regata no cesto de roupa suja, quando procurou a camisa para tirar o veneno do bolso, lembrou que havia deixado na sala. Um pânico tomou conta dele. E se a esposa visse? E se descobrisse a sua intenção? Adiantou os passo até a sala e caiu em prantos aos ver toda a sua família arriada no chão com a boca cheia de espuma.
— Não, Deus! Você não pode fazer isso comigo.
Correu tentando acudir um por um, mas todos jaziam inertes. Na mesa encontrou o frasco do veneno, nele estava escrito Vitamina C. João lembrou que colocou um esparadrapo no frasco para ninguém desconfiar, mas o feitiço havia virado contra o feiticeiro. João chorou por horas e depois saiu em disparada pelas ruas. Algum tempo depois viu o mar. Era lindo e o chamava para si. João não pensou duas vezes antes de andar até onde não tinha mais chão. Aquela praia não ficava cheia a noite, era mais usada pelos pescadores que pelos turistas. Apenas a lua testemunhou o seu desespero.
No dia seguinte ele apareceu nos jornais locais. CRIME BÁRBARO CHOCA A CIDADE: HOMEM MATA A FAMÍLIA E DEPOIS COMETE SUICÍDIO.
João queria fugir da humilhação, mas acabou sendo condenado mesmo depois de morto.
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Amigo Oculto Literário 2
ContoSorteio entre amigos do grupo do Whatsapp ajudando escritores, em que cada participante recebe em sigilo o nome de outro a quem deve presentear com uma one shot.