De Alana para Karina
Araceli Cabrera Crespo, esse é meu nome, tenho 8 anos desde 1973, hoje vou lhe contar uma história, para ser mais exata, vou falar sobre minha morte.
Era uma manhã de sexta-feira, dia 18 de maio de 1973, estava pronta para ir à escola, quando minha mãe Lola falou:
- Não esqueça de sair mais cedo da aula, pois se não tu pode perder o ônibus novamente.
- Tudo bem Mainha. - respondo rapidamente antes de sair para a rua.
Minha casa era situada no bairro de Fátima, na Serra, em uma rua que atualmente carrega meu nome.
As aulas ocorreram normalmente, sai mais cedo como minha mãe solicitou, mas ao invés de esperar o ônibus, fui ate um bar, entre as avenidas Ferreira Coelho e César Hilal, brincar com um gato que havia no estabelecimento, fiquei tão entretida, que nem se quer percebi que minha locomoção havia passado.
Fiquei desesperada, pois se chegasse atrasada novamente, ficaria de castigo. Então o dono do bar me falou que um homem estava me esperando em um carro branco e ele havia dito que era meu tio.
Corri até o carro, entrei sem nem pensar duas vezes, mas assim que sentei no banco percebi que não conhecia o motorista, fiquei estagnada, o medo corria pelas minhas veias, tentei gritar, mas o motorista tapou minha boca com um pano, que me fez desmaiar.
Acordei um tempo depois no Bar Franciscano, Praia de Camburi, na época não fazia ideia de onde estava, mas agora sei.
Quando a noite chegou meu pai Gabriel ficou desesperado e então decidiu entregar fotografias minhas aos jornais locais.
Enquanto isso no cativeiro, Dante Michelini Filho e Paulo Constateen Helal, dois homens de famílias muito influentes na cidade, me mantinham sobre efeito de drogas e abusavam do meu corpo, eles chegaram a dilacerar meus seios, barriga e parte genital.
Dois dias se passaram e meus órgãos começaram a parar de funcionar, provavelmente por causa de uma overdose, eles chegaram a me levar para o hospital infantil, todavia era tarde de mais, usando de suas influências, conseguiram tirar meu corpo de lá, levaram-me novamente para o bar, aonde me jogaram soda caustica, para dificultar o reconhecimento e acelerar a decomposição, no dia seguinte jogaram o que restou da menina inocente que fui um dia em uma mata atrás do Hospital Infantil de Vitória.
Foi apenas no dia 24 de maio que Ronaldo Monjardim encontrou meus restos mortais, a polícia chamou meu pai para o reconhecimento e assim ele o fez, porém no dia seguinte negou, pois ainda mantinha a esperança de eu estava viva.
Após alguns meses exames confirmaram o que todos sabiam, mas não queriam aceitar, o corpo era meu.
Meus assassinos foram a julgamento, o Juiz Hilton Silly os condenou a 18 anos de reclusão, além de uma multa com valor de 18 mil cruzeiros.
Porém, cinco anos depois o Juiz Paulo Capolio escreveu uma sentença com mais de 700 páginas absolvendo os culpados por falta de provas.
Muitas coisas aconteceram durante meu caso, testemunhas foram mortas, ameaçadas e sumiram, meus pais se divorciaram e minha mãe voltou para a Bolívia, seu país de origem, onde se casou novamente e teve mais dois filhos, meu pai morreu em 2004 e meu irmão mais velho foi morar fora do Brasil.
Em 1998 minha morte gerou um grande debate e o presidente da época, Fernando Henrique Cardoso, atendendo muitos pedidos, aprovou a lei N°9970/2000, que instituiu 18 de maio como Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes.
Mas não se engane, mesmo com essa lei muitas crianças e adolescentes sofrem, sofreram e sofrerão abuso sexual, entre 2015/2016, 37 mil casos de violência sexual na faixa etária de 0 à 18 anos foram denunciadas, a maior parte do abuso acontece com meninas, porém meninos também sofrem e muitas vezes isso ocorre dentro de casa.
Eu, Araceli, só fui uma em meio a milhões, por tanto peço aos pais que conversem com seus filhos, fiquem atentos aos seus comportamentos, protejam-nos e peço ao ser humano em geral que não estrague a vida de uma criança/adolescente, em busca de prazer, satisfação ou seja lá o que for, respeitem uns aos outros.
Se você sofre qualquer tipo de violência, exploração, abuso, não tenha medo, denuncie seu (sua) agressor (a) e se você conhece alguém que passe por isso, não hesite em ajudar, disque 100 e ajude a impedir que novas Araceli sofram como sofri.
***
E ai leitores, essa que vos fala, passou aqui apenas para lembra-los que não devemos fingir que somos cegos, surdos e mudos, quando algo acontece, vocês podem fazer denúncias anônimas na delegacia, entrar no site:
www.protejabrasil.com.br ou então ligar no disque 100, o importante é não ter medo e Denunciar!
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Amigo Oculto Literário 2
ContoSorteio entre amigos do grupo do Whatsapp ajudando escritores, em que cada participante recebe em sigilo o nome de outro a quem deve presentear com uma one shot.