Capítulo I - Episódio 2

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Depois que Ivy os deixou na estalagem, os outros seguiram para o porão da casa de Derris. Como de costume, entraram pelos fundos, pelo grande portão de carga e descarga. Em algum lugar ali, através das cercas vivas, havia um alçapão que ficava bem escondido em uma das laterais da casa, dentro da área amurada.

A chuva havia cessado e Luan andava atrás da fila, com Sabrina à sua frente. Seguiam um caminho entre cercas vivas e depois através de um jardim sujo e cheio de árvores frutíferas. O jardim era um lugar familiar para eles. Muitos deles haviam visto aquelas árvores serem plantadas e se desenvolverem.

O cheiro de terra molhada levantava e flutuava no ar misturado ao cheiro de folhas e frutas em decomposição, deixando o ambiente com um cheiro forte e, mesmo com o solo cheio de galhos, grama e folhas, as botas afundavam no solo macio e a água da última chuva espirrava para os lados.

Sabrina andava se esquivando dos galhos, mas eventualmente esbarrava em alguma árvore e gotas grossas caíam molhando toda a sua roupa fina e delicada.

Luan odiava essas gotas geladas. Era pior do que se molhar completamente com uma chuva.

As chuvas eram comuns em Portos das Pedras, principalmente como essa de última hora. O tempo fechava, geralmente vindo do mar. A pancada caía e molhava a cidade toda. Água escorria pelas vielas e todos se abrigavam e aguardavam a chuva ir embora. Logo a pancada terminava e o Sol voltava a brotar atrás das nuvens negras. Em algumas situações, as nuvens continuavam lá, ameaçando outro temporal de água a qualquer instante, como era o caso desse dia. Provavelmente haveria mais chuva até o anoitecer.

Quando eles chegaram no alçapão que dava acesso ao porão, enquanto Derris e Anita abriam-no para entrar, Luan ficou observando um estreito caminho na lateral da casa, entre o muro da mansão e a parede da casa. Ali, havia um corredor de um metro de largura que ia se afunilando até o muro e a parede se encontrarem.

Naquele canto, a água havia se acumulado e não conseguia escoar para lugar algum. Luan já havia visto isso diversas vezes, mas dessa vez algo tocou o fundo da sua alma.

A água estava turva e não era possível ver o fundo da poça. Raciocinando, sabia que era uma poça rasa e ali embaixo havia apenas grama, mas um lado dele viu aquilo como um fosso sem fim. Um lugar em que, se caísse, poderia afundar. Que tipo de criatura poderia viver em um fosso sem fim? Poderia ser agarrado e devorado.

Luan escapou do devaneio se arrepiando e controlando um calafrio que nasceu na base da sua espinha e que fez até seus braços tremerem.

— Tudo bem? — Perguntou Sabrina, que aguardava pacientemente na abertura do porão. Naquele momento, os outros dois já haviam entrado e Sabrina estava sozinha ali, esperando por ele.

Luan apenas afirmou com a cabeça, colocando um sorriso forçado no rosto. Por dentro o corpo lutava contra uma incontrolável força que, por instantes, parecia querer empurrar seu corpo para aquela poça. O movimento das nuvens no reflexo, misturado com o marrom da água eram hipnotizantes. Mesmo odiando aquilo que sentia, não conseguia parar de olhar.

Em certo momento, tinha vontade de se jogar e acabar de uma vez com aquele pensamento aterrorizante.

E sabia que seria uma cena ridícula.

Correndo, Luan deixou o seu cavalheirismo de lado e entrou na frente de Sabrina, deixando-a para trás. Só quando chegou no interior do porão, local que conhecia quase como a sua casa, relaxou, desabando sobre uma cadeira acolchoada.

— Que fedor é esse? — Reclamou Anita com a voz áspera. — Tem um bicho morto aqui?

— Tem sim — respondeu Derris, procurando por algo. — Onde Ivy o deixou?

A saga dos filhos de Ethlon I - Porto das PedrasOnde histórias criam vida. Descubra agora