Capítulo X - Episódio 35

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Elan andou pela Cidade Alta exibindo sua tatuagem nova. Não fazia a mínima ideia do que ela significava, mas se sentia poderoso. Como se aquilo o colocasse acima dos outros.

Borya havia lhe prometido ensinar alguns truques depois que tudo fosse resolvido na capital do Império. Então, Elan tinha apenas que esperar, afinal, os soldados sombrios do Imperador estavam ocupando toda a cidade neste exato momento.

Na última hora, enquanto esperava tudo se resolver, recebeu um recado de seu mestre e seguiu até o ponto de encontro. Enquanto andava pelas ruas escuras, ouviu um sussurro em seu ouvido.

— O que será que ele quer?

Elan sentiu seu coração disparar. O susto o fez saltar, dando rápidos passos à frente, mas, quando olhou para trás, não viu ninguém.

— Demônios! — Elan balbuciou, ainda procurando algo em sua volta.

— Sim, demônios — respondeu a voz, mais uma vez vindo de trás dele.

— Saia daí — gritou, olhando para uma viela escura. — Quem é você? O que quer? Saiba que sou um soldado imperial e tenho proteção do Imperador em pessoa.

— Ha ha ha!!! — Gargalhou de maneira mansa e com a voz rouca. — Eu também tenho, meu caro.

Mais uma vez, Elan olhou para trás, mas não havia nada ali. A voz vinha de diversas direções e não conseguia enxergar a fonte.

— Apareça! — Gritou, agora apavorado. — É uma ordem.

— Receio não poder obedecer a sua ordem, meu senhor. — A voz falava lentamente, como um professor para um aluno, mas Elan sentia o desdém.

Ele se virou mais uma vez, mas, dessa vez, no canto de seu olho, em sua visão periférica, enxergou uma face vermelha, em carne viva, queimada de fogo e com dezenas de chifres. O sorriso era sarcástico, com dentes afiados e uma língua de cobra saltando da boca. Entretanto, ao se virar, a imagem desapareceu.

— Saia daí! — Gritou, assustado. — Saia, agora.

Por pouco lágrimas não correram de seus olhos.

— Ora, ora! Muita calma, estou aqui para te ajudar.

Virando para tentar encontrá-lo, Elan entendeu o padrão. Se virasse apenas o olho, conseguiria enxergá-lo... Não por completo, mas conseguia ter uma noção de sua imagem.

— Por que você está aí? Atrás de mim?

— Para ficar mais fácil de falar com você. Entretanto, acho que tem alguém esperando por você, não seria apropriado ficar por aí como um covarde, berrando de medo de algo que não pode ser visto.

A criatura gargalhou de novo, dessa vez, de chacota.

Emburrado, mas com o coração ainda disparado, Elan seguiu em frente.

Elan encontrou Borya parado na frente de Porto Seguro. A praça estava deserta e escura. O mestre da sua nova ordem esperava em silêncio junto com dois soldados, observando os eventos que davam do outro lado da Vala, que agora era apenas um abismo protegido por um grande escudo para impedir que a água entrasse naquela parte da cidade.

A onda já não era mais um problema, uma vez que o choque principal havia sido protegido, a água retornava para seu lugar de origem, o mar.

— Mestre, tem uma coisa me perseguindo.

— O que seria? — Perguntou Borya, com o olhar fixo no horizonte negro.

— Algo feio e demoníaco.

Borya riu e o demônio em sua orelha também.

— Eles estão vindo, jovem — disse Borya. — E eu vou precisar de um pouco de tempo. O caminho entre aqui e a Torre. Eles virão por ali, leve esses dois soldados e os impeça. Se não conseguir, ganhe o máximo de tempo possível.

Elan seguiu com os dois homens, que vestiam roupões negros, em direção à Torre. Não tinha a mínima ideia de quem encontraria. Foi quando, no outro extremo da rua, viu Ivy surgindo em uma esquina.

Será ela?

Claro que é. Respondeu o demônio dentro de sua mente.

Belos cabelos vermelhos!

No primeiro momento, Elan sentiu uma energia que o fez ficar muito contente com o que via. O sentimento de superioridade ainda reinava em seu peito, encontrar a mulher que um dia amou e agora odiava era uma oportunidade única.

Era a chance que tinha de humilhá-la.

Em seguida, Sabrina e Derris surgiram atrás de Ivy. Encontrar Sabrina era um problema um pouco maior. Elan lembrava muito bem o que tinha acontecido na casa de Ivy. Aquele olhar sombrio e depois a Alma sugada. Até hoje o Incinerador não tinha saído do coma.

E Derris, que sempre foi o gordinho inútil da turma, usava uma armadura, com uma espada e um escudo.

— Vamos chamar a atenção — disse Elan, inseguro. — E correr pelas vielas. Assim ganhamos tempo.

— Por quê? — Um dos homens perguntou, reprovando a sugestão de Elan. — Somos três contra três. Damos conta.

— Não sei — insistiu. — A de cabelos negros matou um homem com o olhar. Não sei mais do que é capaz.

A contragosto, os dois companheiros aceitaram o plano e se esconderam em uma viela.

— Ei! Nervosinha! — Gritou Elan quando Ivy estava próxima o suficiente para ouvir. — Andando por aí com essa escuridão. Muito corajosa você.

Elan apenas teve tempo de ver pelo canto do olho os três iniciarem a investida contra ele. Então, Elan e os dois companheiros seguiram pela viela, esperando para ver se eles viriam ou não.

Ivy surgiu no fim do corredor e parou, olhando para os três. Ela certamente percebeu que Elan não estava sozinho e que esperava por seus amigos.

— Quem sabe hoje você possa me ensinar aqueles truques. Aqueles que você aprendeu com os meninos quando era criança.

Elan não sabia o que aquelas palavras eram capazes de causar. Com um ímpeto, Ivy saltou em direção a eles. Mas não foi um salto comum, havia fogo. Algo explodiu e seu corpo entrou em combustão. Ela avançava tão rápido que Elan não conseguiria fugir. Quanto mais se aproximava, mais o beco se iluminava, como se fosse o nascer do sol.

Nos pensamentos de Elan, ela vinha tão rápida, que parecia não andar, mas sim voar, como uma mariposa atravessando o fogo.

Um dos guardas de Elan avançou para bloquear o ataque, mas Ivy foi rápida e, antes que ele sacasse sua adaga envenenada, ela deu um chute no peito dele e o arremessou até o fim do beco. O chute explodiu e o roupão negro incendiou-se até o corpo do guarda atingir a parede no fim do beco. O corpo caiu no chão e ficou lá, imóvel e em chamas.

O segundo guarda percebeu o perigo daquele conflito, saltou e desintegrou-se em sombras. Subiu voando contra os céus. Ele estava fugindo, mas no meio do caminho algo o impediu. Seu corpo se tornou sólido mais uma vez e então caiu. Antes mesmo de atingir o chão, Ivy deferiu um soco. Dessa vez, o corpo do guarda não incendiou, mas o som do estouro das costelas quebrando foi alto. O companheiro sequer gritou. Então percebeu que, no fim da viela, Sabrina olhava para céu, com seus olhos brilhando em tom lilás.

Elan acreditou que seria seu fim. Entretanto, Ivy parou em sua frente. Seus olhos, antes verdes, agora brilhavam em tom de brasa. Seus cabelos flutuavam no ar e sua pele sardenta se incendiava, mas não queimava.

Elan ficou pasmo com a imagem dela. Aquela mulher que amou, depois odiou, agora o fazia sentir medo. Por um instante, quase reiniciou o ciclo e sentiu o coração arder.

— Você me dá pena — disse Ivy, falando com os dentes cerrados, rangendo um no outro.

Ivy acertou o peito de Elan com uma palmada. Sentiu o calor da mão dela e seu corpo voar para trás. Atingiu o solo e foi arrastando, sentindo as costas se esfregarem contra o chão de pedra.

Quando espiou, os três já tinham desaparecido.

— Ha ha ha ha!!! — Gargalhou o demônio. — Você é um fracassado mesmo.

A saga dos filhos de Ethlon I - Porto das PedrasOnde histórias criam vida. Descubra agora