Capítulo VII - Episódio 25

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Derris e Anita voltaram para Porto das Pedras e conseguiram entrar na cidade sem problemas. Em poucas horas, Anita descobriu no quartel que a guarda estava aflita pelo o que tinha acontecido e ninguém desconfiava deles, nem de Christie e de seus amigos.

A viagem tinha sido péssima. Das poucas vezes que Derris tentou conversar com Anita, eles terminavam discutindo, o que fez que mal falassem boa noite e bom dia um para o outro.

Depois que Anita descobriu que tudo estava bem, ela avisou Derris e desapareceu, sem se despedir.

Ele tomou um longo banho e deitou para descansar. Estava sentindo todos os músculos de seu corpo doerem, como se tivesse passado o dia inteiro treinando. Entretanto, no meio do descanso, enquanto cochilava, seu pai bateu à porta e o chamou para o escritório. Chegando lá, um Aurópti alto e forte, usando cota de malha e com uma espada na cintura, estava sentado na cadeira de visitante, tomando vinho em um cálice.

— Derris — disse o pai ao entrarem na sala. — Esse homem é Victor Trebatius. Ele é o líder de uma companhia de mercenários e estamos negociando a possibilidade de entrarem na Vala em busca da nossa mercadoria.

Derris cumprimentou o homem. Seu aperto de mão era firme e forte.

— Em um dia, talvez, ele consiga mobilizar toda a comitiva para cá.

— E quantos homens são? — Perguntou Derris. — E que armamentos vocês usam?

— São trezentos homens — respondeu Victor. — Tenho infantaria, cavalaria e um pelotão de arqueiros. Sabemos montar armas de cerco e operá-las. Só somos carentes de magos, que, em geral, não aceitam trabalhar como mercenários.

— E todos brancos?

— Sim, todos.

O homem respondeu como se essa resposta fosse agradar Derris, mas, na verdade, Derris pensava no impacto negativo que isso teria.

Além do mais, com o acordo fechado, seria prudente que Derris contasse para o capitão no que eles estariam se metendo, entretanto, algo dentro dele dizia para manter a boca fechada até o fim dessa história.

— Estou disposto a gastar ouro com essa missão — continuou Ronald. — O foco não é minha mercadoria, mas, sim, abrir um canal com meu negociante para que no futuro eu venha a vender mais de meus produtos.

Deixando o pai fechar o negócio com o mercenário, Derris foi em busca de Abayomi, que talvez ainda não soubesse do acontecido.

— Intrigante — disse Leiza, dando tapinhas com a ponta de seus dedos em sua têmpora, coberta pelo turbante. — Penso pelos seus negócios, mas me preocupo um pouco com quem roubou nossas armas e o que possa estar planejando. Muhhab não teria como fugir sem a ajuda de alguém de fora e esse alguém deve estar infiltrado na guarda.

— E nós temos alguém da guarda que sabia das armas.

Os dois se olhavam sérios. Abayomi certamente suspeitava de Anita como ele, mas não abriria a boca para acusar a amiga de Derris.

— Meu pai está negociando com uma comitiva de mercenários. Trezentos homens para marchar pela Vala procurando pelo que nos foi roubado.

— É um movimento interessante — prosseguiu o engenheiro servindo mais uma xícara de chá. — Nunca tantos soldados marcharam por lá ao mesmo tempo. Se encontrarem algo, ainda ajudam a cidade. Isso dará pontos ao seu pai com o Regente, entretanto, será difícil seu pai não ficar sabendo de tudo o que fizemos escondido quando os soldados chegarem com as armas apreendidas.

Derris mexeu a xícara e ficou observando a superfície do chá tremendo.

— É inevitável, não? Não importa o que façamos, meu pai descobrirá.

— A não ser que o pior aconteça — disse Leiza, agora sério. — E, Derris, é bom ter um plano de fuga. Se algo acontecer, saia da cidade com seus pais. Avise seus amigos.

Depois da conversa, Derris decidiu procurar por Borya. Leiza o seguiu, justificando querer esticar as pernas.

Encontraram Borya descansando, bebendo e comendo em Porto Seguro. Sentaram com ele, pediram bebidas e comidas. Conforme a comida ia chegando, Derris explicava a situação para Borya, que naquele momento, parecia muito mais feliz e tranquilo do que a última vez em que se viram.

— Muito bom — disse Borya após ouvir a história dos mercenários. — Talvez as coisas se resolvam assim. Eu recebi uma carta da comitiva imperial, que virá buscar o nosso produto, já partiram de Platô do Sol e chegarão dentro de dois a cinco dias, dependendo das condições de viagem. Ela poderá ficar aqui apenas um dia ou dois, então tem esse prazo para conseguir recuperar as armas.

— Conseguiremos. Trezentos mercenários entrarão na Vala com facilidade. Temo pelo estrago.

— Um mal necessário — prosseguiu Borya, sorrindo e enrugando a testa. — Mudando de assunto, você viu esses refugiados chegando à cidade?

— Refugiados?

— Ah — Borya fez um sinal com a mão, pedindo tempo para engolir a comida. — Se você não saiu da Cidade Alta, não saberá mesmo, mas o Bairro Operário está meio bagunçado. Eles estão vindo do litoral, parece que o nível da água está subindo e agora já inundou muitas cidades e vilas.

Derris e Leiza se olharam espantados.

— É, assustador. — Prosseguiu Borya, com um sorriso curioso. — Eu mesmo estive lá. Estava negociando com Atur Chalor quando, ao mesmo tempo, sua amiga, a Doyle, estava medindo terrenos por lá. O governo havia desocupado as casas no porto e estava tentando omitir essa informação. Mas, agora, ao que parece, a água subiu ainda mais, a ponto de engolir a cidade de Salinas. Me pergunto se isso está acontecendo também nos Charcos Eternos e no Planalto Solar.

O silêncio tomou conta da mesa. Leiza acariciava seu queixo enquanto admirava a parede. Certamente estava pensando no assunto, mas Derris não tinha muito o que pensar sobre isso. A verdadeira preocupação era: se a água está subindo, quando vai parar? Vai parar em Porto das Pedras, inundando a Vala e fazendo a cidade voltar a se uma cidade portuária?

Com um largo sorriso em seu rosto, Borya se levantou e jogou uma pesada moeda de ouro sobre a mesa.

— Nos vemos em breve, senhores!

Como uma raposa, Borya desapareceu.

Derris observou Leiza, que ainda estava pasmo. Agora seu indicador dava pequenos tapas do lado do rosto.

— Te intriga também? — Arriscou Derris. — Essa história do mar?

— Não, não — disse Leiza saindo do devaneio. — O que está me intrigando é Borya estar tão feliz.

— A notícia deve ter o deixado feliz. Afinal, as chances de fecharmos o negócio aumentaram.

— Não creio — insistiu o caminhante do deserto. — Ele estava feliz antes, quando chegamos.

Leiza pensou mais um pouco. Derris tinha a impressão de que poderia ouvir o barulho de engrenagens dentro de sua cabeça.

— Você não acha que ele está muito satisfeito? — Insistiu Leiza. — Ele estava sempre nervoso e nos pressionando, agora está aí, tranquilo? Parece que o resultado dessa negociação não o interessa mais.

Derris ignorou o comentário. Acreditou que Leiza estava exagerando um pouco. Os pensamentos de Derris navegavam em outras possibilidades. Teria Anita agido escondido dele? Pegou as armas e distribuiu para os Terras-Ruins? Ela estava estranha na viagem e já discutiram sobre ele vender as armas para Borya.

Por um instante, Derris sentiu raiva. Não conseguia acreditar que Anita era capaz disso.

Ao mesmo tempo, se sentiu sozinho. Tinha afastado Sabrina e Ivy de sua vida e Luan compartilhava a dor das duas. Agora Anita poderia estar o traindo.

Quando tudo parecia estar dando certo... Tudo começou a dar errado.

A saga dos filhos de Ethlon I - Porto das PedrasOnde histórias criam vida. Descubra agora