Capítulo III - Episódio 11

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A visão do quarto de Derris era linda. Ele adorava gastar horas de seu dia ali, sentado em sua escrivaninha.

Do lado de fora, podia ver o horizonte, que desaparecia até onde o sol dormia. A forma das construções da cidade alta fazia com que a Grande Vala não fosse vista dali, o que fazia tudo ser mais belo.

Não que odiasse aquele lugar, mas a verdade era cruel. Aquele lugar era um inferno, bem como descrito nos livros religiosos de Vanatoris.

Desviando os pensamentos ruins, continuou a admirar a paisagem enquanto tomava um gole de um vinho imperial que seu pai sempre tinha em grande estoque. Não era um Platinado, mas era bom.

A copa das árvores escondia as estradas e sobre elas, via apenas as antigas docas de pedra, refletindo a luz do sol que pareciam águas cristalinas.

Quem morou aqui quando isso foi construído?

A família de Derris havia comprado aquela mansão três séculos antes e, desde então, ela permaneceu na família. Cada geração teve apenas um filho homem que ficou com a casa. Com exceção de seu avô, que teve dois filhos, o segundo filho era mulher e saiu de casa para viver com seu marido.

A porta do quarto de Derris se abriu, sem que ninguém batesse. Deslizando como uma fada, Sabrina entrou e fechou a porta atrás de si.

— Seu silêncio me assusta — disse Derris para a recém-chegada. Aquilo sempre acontecia e ele sempre repetia essa frase.

Sabrina apenas sorriu. Pegou uma taça e se serviu do mesmo vinho que Derris. Pegou uma cadeira e sentou, no lado oposto da janela. Deu um longo gole no vinho e depois suspirou.

— Luan me preocupa — disse Sabrina, com a voz serena.

— Logo vi que algo estava te incomodando. Acha que ele pode piorar?

— Não sei.

Sabrina deu mais um gole. Ela parecia ansiosa. Bebia um vinho que era feito para ser degustado e não para ser devorado aos goles.

— Sabrina. Algo a mais te incomoda?

Derris percebia que havia algo preso dentro de Sabrina. Ela sempre se preocupou com Luan, a vida toda, mas agora ela estava diferente.

Nessas horas era melhor pôr para fora e ele queria ajudar a amiga a sair desse poço sombrio.

— Sim — respondeu ela, um pouco em alerta. Como se fosse falar algo que não pudesse ser ouvido por outros. — Até que ponto posso fazer algo pelos meus objetivos sem pensar nas consequências de meus atos?

Derris sorriu internamente e teve que se segurar para o mesmo sorriso não sair pela sua expressão. Moral era algo que ele também discutia consigo mesmo nos últimos dias.

— Bom — respondeu dando também um belo gole no vinho. — Muito do que nos é ensinado como errado são conceitos comuns. Por exemplo...

— Derris — ela interrompeu, com o olhar sério. — O que é isso? Que estamos fazendo? Para que fim?

Derris não soube o que responder e Sabrina continuou com seu olhar profundo. O olhar enigmático dela era ainda muito mais assustador que o olhar furioso de Anita.

— Algo a mais, Sabrina — respondeu olhando seu próprio reflexo no copo do vinho. — Não quero ser só um comerciante de ferro. Quero ser algo mais e para isso não tenho ajuda de meu pai. Creio que terei que dar um passo fora do que minha moral permite. Fora da minha jaula.

— Sim — comentou Sabrina, de um jeito vago e estranho. Depois ficou em silêncio.

Ela tomou mais um gole de vinho e se ajeitou mais em sua cadeira, procurando por conforto. Jogou o cabelo para trás das costas da cadeira e respirou fundo. Seu movimento fez o cheiro de menta se espalhar pela sala. Era bom. Doce e bom.

A saga dos filhos de Ethlon I - Porto das PedrasOnde histórias criam vida. Descubra agora