“Loki, o que está fazendo?”, questiono ao notar que Loki está sentado e de olhos fechados.
Ele não move um músculo para me olhar, apenas respira fundo e diz monotamente: “meditando.”
Arqueio as sobrancelhas em surpresa e sorrio minimamente. “Meditando. Em Nova York”, comento vagamente para as paredes.
“Você está me desconcentrando”, ele rosna.
Ergo as mãos em sinal de rendição, ainda que ele não possa ver. “Enquanto vossa majestade medita, vou me lavar para dormir”, espero alguma reação de Loki e ele apenas assente sem muito interesse.
Quando volto do banheiro, ele continua sentado de pernas cruzadas sobre a cama; suas botas estão no chão, contudo, e suas roupas finalmente são midgardianas.
“Não diga coisa alguma”, ele ordena como se pudesse ler minha mente.
“Não tenho por quê. Sempre estive ciente de que você mudaria de ideia, eventualmente”, ouço um som escapar de seu nariz e reviro os olhos. Deito-me a seu lado na cama e puxo seu corpo para perto. Ele protesta sem muito afinco e cede a meus carinhos, deixando que eu abrace seu torso firmemente.
“E eu achando que a Terra o faria menos bruto do que é”, ele murmura contra meu pescoço, mas não há fervor em sua voz. Faço caminhos aleatórios por seus fios e ele ronrona de quando em quando. “Apesar de gostar deste seu lado, às vezes, gostaria que você pudesse me tirar das minhas meditações pedindo por favor”, ele continua, fazendo-me rir. "Não é engraçado, seu tolo."
“É adorável”, corrijo-o.
Sinto suas pernas longas se entrelaçarem às minhas e sorrio com o gesto, beijando o topo de seus cabelos para demonstrar minha satisfação. Seu cheiro doce e ao mesmo tempo forte invade meus sentidos por completo e me perco um pouco nessa dimensão, fechando os olhos para aproveitar o contato. Loki me olha depois de um tempo, o semblante divertido, e suspira com um sorriso nos lábios.
Por um momento, vêm memórias à minha mente de quando fugimos de casa, quando tivemos de pedir ajuda aos Vingadores — ou o que restou deles, na verdade — para que Odin não nos encontrasse. Até hoje tenho minhas dúvidas de que ele não tenha realmente descoberto aonde fomos, preferindo não mais nos perseguir.
E mesmo que também não saiba quais os seus motivos, quero acreditar que seu instinto paterno se responsabilizou de seu julgamento. Um tiro no escuro, claramente — afinal, Odin nunca realmente fora o melhor pai. Porém, mesmo que tenhamos tido uma relação conturbada, às vezes penso que no final de tudo, o que importa é o bem estar de seus herdeiros.
Loki ainda me olha quando chama minha atenção. “No que tanto pensa, Thor?”
Eu sorrio minimamente e acaricio seu rosto, suspirando. “Pode acreditar que faz dois anos desde que fomos embora de Asgard?”
O silêncio de Loki deveria ter me deixado alerta em outros tempos. Porém, agora, tenho conhecimento de que ele só está pensando nas palavras certas a dizer. É um assunto bastante delicado, principalmente tendo em vista a que circunstâncias tivemos de fugir, e por isso tento ao máximo não trazê-lo à tona. “Não penso muito nisso”, confessa.
E acredito. Loki nunca fora um por guardar rancores por muito tempo, sobretudo em respeito a conflitos familiares. “Você queria que houvesse sido diferente? Que houvéssemos ficado lá, juntos, mas ainda separados? Eu no trono e você na prisão?”, disparo um pouco sem pensar e sinto-o tensionar em meus braços. Ele baixa a cabeça e morde os lábios levemente.
“Não”, ele murmura. E, uma vez mais, acredito. Loki ergue o rosto para me olhar nos olhos e suas orbes azuis deixam-me um pouco hipnotizado. “Você é a pessoa mais importante de minha vida, Thor. Ainda que não estejamos ligados por sangue, as Nornas sabem: estamos ligados em todas as outras formas existentes. Emocional, fisicamente. Por isso creio que mesmo que não pudéssemos ficar juntos como queríamos, Elas dariam um jeito de nos unir. É algo mais forte do que as meras leis de Odin, ou Laufey, ou de qualquer um dos outros sete reinos. A cada dia que passa, tenho mais certeza de que fomos feitos mera e puramente um para o outro. A cada dia que passa, tenho mais certeza que nunca haveria outro Thor para um Loki. Ou outro Loki para um Thor.”
Seus olhos carregam toda a sinceridade com a qual vivi e cresci e o brilho de suas lágrimas enquanto Loki fala são como uma luz no fim do túnel. Ele sorri minimamente, limpando seu rosto úmido e vermelho por conta do choro leve, e aproximo nossos rostos para dar-lhe um beijo casto. “Eu amo você, Loki.”
Ele sorri contra meus lábios, seus dedos pálidos fazendo um caminho em meu corpo. “Eu amo você, irmão.”
Ainda que tenhamos perdido o nosso berço, temos um ao outro — e parando para refletir, percebo que sempre fora assim conosco. Desde crianças. Desde quando passávamos o dia todo correndo pelo palácio, fazendo travessuras e nos escondendo das broncas de Frigga. Desde que crescemos e passamos a fazer besteiras no nível de deuses adolescentes, sempre evitando a presença de Odin no dia seguinte a uma noite de bebedeira com os amigos na taverna, ou uma aventura nas terras distantes de Alfheim.
Em todos os aspectos de minha vida, a única certeza que sempre tive, ironicamente, fora Loki. Desde o momento de sua chegada a Asgard, até aqui em meus braços. Ainda que o caminho para chegar aonde estamos tenha sido conturbado, doloroso, longo, suas palavras não poderiam ser mais verídicas, pois as meras leis dos deuses não foram capazes de desfazer nossa união.
Somos mais do que irmãos, amigos, companheiros, amantes. Somos o que falta um no outro, o que transborda um do outro. As Nornas protegem esse enlace porque ele é único; porque é assim o nosso destino. E, como mais tarde um titã louco me faria entender; o destino é inevitável.
FIM