Strike I

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                                                                               Capitulo 3 - Strike I

   Jade checou novamente o alinhamento de seu novo terno antes de pular fora da camionete, tinha horror a amassados, e era sempre muito crítica com o que vestia, principalmente agora que alcançara um patamar tão alto na carreira, não queriam que a vissem como uma novata que além de recém-formada, era uma caipira deslocada e ela tinha com certeza todos os requisitos pra isso, a começar pela lataria enferrujada que dirigia. Não que estivesse renegando o veículo que o pai lhe dera com tanto carinho, simplesmente não era cega e percebia que aquilo já deixara de ser uma camionete há anos.

   Puxou a pasta do banco de carona e encarou o relógio, 09h30min, estava em cima da hora e ainda precisava acertar os últimos detalhes do depoimento com sua cliente que já deveria estar a sua espera, desceu as pressas e correu para o tribunal o mais rápido que pode. Lá dentro encontrou Linda sua cliente andando de um lado ao outro, enquanto seu marido a insultava, sendo inutilmente reprendido por sua inexperiente, e paciente demais, advogada.

   Jade já tinha tido algumas experiências com audiências de Tutela antes e sempre teve bons resultados, mas aquele caso parecia complicado. De um lado Linda um mãe de 33 anos tentando sobreviver após separar-se de um marido dependente de álcool e violento, sem a ajuda dele, ela confessou estar sendo difícil sustentar a si e a filha, visto que o ex se recusa a pagar pensão. Do outro o marido, Carl Hamilton, Jade não podia julga-lo, sentia pena dele, trabalhador de uma fabrica no sul da cidade, explorado ao extremo, o pouco que ganha vai para cachaça e prostitutas no beco a poucas quadras da casa dele, pelo menos foi o que Linda disse, era um caso triste, mas a vida é feita de casos tristes.

   Ao fim da audiência, Carl saiu pela porta irritado recusando-se a ouvir o que sua advogada tinha a dizer, em seguida Jade também saiu apoiando Linda, que chorava e agradecia. Como todas as outras causas em que se envolvia, Jade venceu, a sentença elegeu Linda a única tutora legal já que o ex marido negou a proposta inicial de uma guarda compartilhada, e ainda revogou uma pensão alimentícia, decidida em um terço do salário do pai da pequena Sofia de nove anos, Jade sentiu uma felicidade enorme em ajudar aquela cliente em especial, que admirava religiosamente a bondade da advogada em parcelar seus honorários, e mesmo que demorasse meses para recebe-los, para ela já estava de ótimo tamanho, desde que pudesse dormir tranquila sabendo que pode fazer o bem a alguém.

  Quando elas se despediram Jade sentiu-se dois quilos mais leves, relaxada e disposta a retornar ao trabalho após uma pausa para o almoço, no caminho para o carro, pensou no que poderia comer chinês ou a velha e boa comida caseira? Não importava de fato desde que comesse, a esta altura, ela poderia comer até um bolo inteiro, daqueles que sua mãe fazia depois que uma nova chance de transplante ia por agua a baixo, um belo bolo consolação de 35 quilos, sendo vinte deles puro glacê. Jade parou a alguns centímetros da porta giratória espelhada da entrada do tribunal, primeiro sentiu um leve desespero, confusa franziu o cenho, algo não estava certo.

   Tinha certeza de ter estacionado, entre o carro preto e a imponente camionete prateada, mas em vez de sua desgastada lata velha, gasolina-suga, havia agora parado ali um arrogante camaro negro tão reluzente, que poderia facilmente cegar alguém, não poderia ser um roubo, que tipo de ladrão levaria aquele trambolho e deixaria um carrão no lugar, o Papai Noel ou uma espécie de fada do dente automotiva? Aproximou-se um pouco, ao perceber uma movimentação no lado oposto do estacionamento.

   Sua camionete não só estava andando, mas literalmente no ar, sendo levantada por um guincho de reboque, abaixo dela havia uma mulher de costas, cabelos loiros amarrados em um rabo de cavalo, em um terno preto tão alinhado que faria inveja no ser humano mais perfeccionista, mesmo de costas, Jade notou que ela tinha um daqueles corpos esculturais que posam lambuzados de bronzeador artificial nestas revistas de moda chique pelos quais seu irmão babava na adolescência, tudo isso em cima de um salto agulha mais caro que qualquer objeto que Jade pudesse ter em casa, com certeza pagaria um mês de seu aluguel. Ela ficou sem reação, o que fazer? Tentou entender o que acontecia, o carrão intruso certamente pertencia loira misteriosa, afinal aquele carro não podia ter outra dona, se aquilo fosse uma regra, para Jade ser equiparada a sua camionete não parecia o melhor dos incentivos a autoestima.

I'm not her - JerrieWhere stories live. Discover now