I'm not her - Jerrie

Panquecas Mágicas

     Em seu pijama seda cinza de listras horizontais, Jade pressionou um dos lados de seu nariz para dar veracidade a voz de gripe e a constipação, era a segunda vez que mentia naquele seu primeiro mês de trabalho, uma conduta pouco apreciável para uma advogada com ambições de se tornar a melhor de sua área. Não havia opções diante dos olhinhos negros saltados e ansiosos da pequena Claire, que a pouco acordara a exausta baba com pulos e gritinhos animados, convidando-a a brincar, como responder não aquele pedido e simplesmente manda-la pro hostil já conhecido ambiente escolar? Principalmente depois dos momentos traumáticos dos quais a pequena havia sido vítima nas últimas semanas.

— Sim, novamente. Eu sei, não se preocupe vou ao médico esta tarde acho mesmo que peguei uma gripe daquelas. Obrigada! Não esqueça de avisar a Verônica por mim e pedir desculpas, diga que cuidarei para estar disposta o mais rápido possível, talvez precise de uns dois dias dependendo do que a médica me disser, remarque também a reunião com a senhora Pinnock, agradecida. Até mais, Liza.

— Meu sobrenome também é Pinnock! – Claire exclama surpresa com a coincidência. Jade leva um dedo sobre o lábio pedindo silêncio, enquanto checa a tela de seu aparelho verificando se sua secretária já teria desligado. – Oh...Shii...Desculpe.

— Tudo bem, acho que ela não nos ouviu, mas estamos escondidas se lembra? Será nosso segredinho, agora ligarei para sua escola e avisarei que você não irá hoje. O que acha de subir lá pra cima e escovar os dentinhos? Vou preparar um café da manhã bem gostoso pra nós duas!

— Ebaaa.

     Jade pressionou o celular sobre o peito, enquanto assistia os pezinhos agasalhados no pijama unicórnio saltitarem degraus acima, rapidamente alcançou na porta da geladeira o post-it amarelo com o nome da escolinha de Claire anotado junto ao telefone para contato, discou, recapitulando o discurso articulado na cabeça. Três toques breves depois, uma voz de tom baixo e levemente severo atendeu, demorou algumas sentenças para que Jade identificasse o gênero feminino da voz, a diretora compreendeu a situação e parecia comprar a história que Jade inventara a respeito da suposta recomendação de um terapeuta que a criança ficasse alguns dias em casa antes de retornar a sua rotina.

     Sorriu orgulhosa de sua mentira, uma das melhores habilidades de uma advogada, não que isso ocorresse o tempo inteiro. Era apenas questão de como se interpreta uma situação ou maquia-se um pouquinho algumas verdades. Abriu alguns armários apanhando seriais matinais, havia apenas duas opções saudáveis e chatas, principalmente para crianças que consistiam basicamente em uma junção de açúcar e sangue, era simplesmente inerente a natureza infantil. Parou por alguns segundos ao perceber uma perigosa ideia ameaçando sua mente, e se ela fizesse panquecas? Que mal faria? Bom, considerando que seu histórico na cozinha consistia em aplicativos de comida, restaurante de rua baratos, marmitas gordurosas, comidas congeladas e 3 ou 4 minis incêndios acidentais. A resposta para a pergunta anterior era sim, faria muito mal. Não era atoa que precisara de um transplante de coração tão cedo.

     Jade tentava justificar sua total inabilidade na cozinha com poucas oportunidades e muito, muito azar mesmo. Que culpa tinha ela se os guardanapos de pano eram tão inflamáveis? Sua capacidade de queimar até mesmo um ovo cozido em água no fogo baixo, certamente não tinha nenhuma relação com o processo. Buscou pelo melhor chef que poderia encontrar: a internet. Encontrou uma receita, analisou-a por um instante, enquanto às cegas garimpava pelos ingredientes necessários na bela cozinha bem equipada. Começou pelas prateleiras de cima, separando os vasilhames que usaria para a mistura, depois sem dificuldades, separou a frigideira correta para o preparo, e os ingredientes, faltando apenas canela que iria na massa para dar o gostinho de lar, nenhuma panqueca era boa o suficiente sem canela.