Parece apanhada de surpresa pela forma como olha para mim, sem palavras. Pestanejou pela primeira vez nalguns segundos e só então puxou ar para os pulmões para falar.
"Quando é que eu disse que não podiamos beijar na boca ou fazer amor?"
"Pediste para ficar tudo como antes daquela noite..."
"E está tudo como antes daquela noite?" Franziu a testa, apoiou o cotovelo no colchão e a cabeça na não.
Pergunta traiçoeira? Reservei-me o direito de pensar um pouco sobre o assunto antes de abrir a boca.
"Bem..." Respirei fundo, a tentar arranjar uma forma de verbalizar o que realmente sinto a respeito do nós. "Eu acredito que foi bom termos sido adultos o suficiente para saber que o mais natural a fazer seria mantermos os limites do distanciamento depois daquela noite. E fico feliz por teres dito aquilo na minha cara... a sério que fiquei. É claro que não foi algo que eu gostei de ouvir, na altura, mas quando realmente parei para pensar, o que eu fiz do dia seguinte foi apenas bizarro...eu não estava a pensar bem..." Parei de falar porque ouvi a sua risada, enquanto continua na mesma posição a olhar para mim. "Que foi?"
"Nada... é só que estás a complicar uma pergunta fácil."
"Posso acabar a minha linha de raciocínio sem gozares comigo?" Tentei esconder o meu embaraço numa risada. Ela assentiu e forçou o seu rosto a parar de rir. "Eu só ia dizer que foi bom para nós teres colocado o travão na altura certa, e que a maneira como evoluímos foi..." Parei por um segundo, e sorri a pensar. "... foi muito bonita." Concluí.
"E isso contínua a não responder à minha pergunta." O seu sorriso abriu-se mais. "As coisas estão como antes de essa noite?"
"É claro que não..." Encolhi os ombros. "Isso nem sequer é uma pergunta válida, por ser demasiado óbvia. Aliás, mesmo depois de me pedires para ficar tudo como antes, nunca ficou. Acho que só fingimos muito bem... e conseguimos conviver de uma forma normal, sem ser constrangedor. Então por fora, o vísivel, sim, continuou como antes durantes uns tempos, agora se falarmos daquilo que não se vê... se falarmos daquilo que, falando por mim, eu senti, e sinto... não, nunca foi como antes. Se eu esqueci que aconteceu? Não. Se eu deixei de pensar naquela noite? Não!"
"Então o que é que está a impedir-te?" Sim, Zain... o que está a impedir-te?
"Eu..." Fiz uma pausa para pensar, e não consegui evitar o meu tique nervoso de morder o lábio. "Eu não quero fazer nada que tu não queiras, não quero desrespeitar-te, não quero fazer nada que te afaste... não quero que nada estrague a confiança que tens em mim... não quero desiludir-te... não quero que penses que estou a aproveitar-me de ti... eu prometi não partir o teu coração, e estou empenhado nisso." Encolhi os ombros.
Engoli em seco quando acabei de falar. E só então parei para olhar para ela. Continua com a cabeça apoiada na mão. Talvez seja só eu, mas às vezes, quando ela olha para mim como está a olhar agora, tenho a sensação de que os seus olhos sorriem também... têm um brilho diferente. Deixou escapar aquilo que foi apenas a pontinha de uma risada.
"Foi assim que conseguiste, sabias?" Baixou o olhar logo após dizer estas palavras.
"Que consegui o quê?"
"Tudo... entraste na minha cabeça, na minha casa, na minha cama... conseguiste com que eu ficasse assim." Eu normalmente não sou fã de conversas por código, mas tenho de admitir que desta até estou a gostar.
"Assim como?" Soltou uma daquelas risadas de novo, desviou o olhar pelo que pareceu apenas um milésimo de segundo e voltou a olhar-me nos olhos.
"Tu sabes como... a pensar em ti sempre que não posso estar contigo, a contar segundos para te poder ver, a sonhar contigo todas as noites, a fazer aquelas cenas que eu achava que só faziam nos filmes de abraçar e cheiras peças de roupa por terem o teu cheiro." Pude ver as suas bochechas a ficaram num tom mais carregado de rosa ao dizer isto, e enquanto isso o meu coração bate disparado, consigo sentir o bater do meu coração quase em todo o corpo.
"Abi..." O seu nome saiu-me quase como um suspiro e tenho a certeza que não consigo esconder a surpresa estampada na minha cara. "Porque é que não me disseste antes?" Encolheu os ombros.
"Não achei que fosse um pormenor importante... achei que... talvez tivesses perdido o interesse."
"Eu?" Perguntei, num tom quase chocado. "Achaste que eu tinha perdido o interesse?" Esbugalhei os olhos. "Eu estou mais interessada a cada minuto que passa!" Deixei escapar uma meia gargalhada, que tem um pouco de felicidade e um pouco de desespero por pensar que ela pode ter sentido o mesmo que eu há tempo sem fim, e não disse nada.
"Eu fiquei à espera que fizesses alguma coisa... ou que dissesses alguma coisa... como hoje."
"E quando é que começaste a sentir essas coisas?"
"Umas semanas depois daquela noite..."
"Há tanto tempo?" Passei uma das mãos pelo cabelo, para tentar acalmar-me. Ela apenas assentiu. "Caramba! Tu devias simplesmente ter-me batido à porta e beijado no momento em que começaste a sentir isso..."
No exato segundo em que acabei de falar senti a sua mão na minha cara e sem sequer ter tempo de processar o que estava a acontecer, os seus lábios estavam no meus, e estava a beijar-me... não estava só a beijar-me... estava a BEI-JAR-ME! Mas a beijar-me como se beija! A minha mão subiu involuntariamente para o seu rosto e deixei carícias com o polegar na sua face enquanto os nossos lábios brincavam um no outro e as nossas línguas se tocavam de leve. Quando o oxigénio dos nossos pulmões acabou as nossas bocas afastaram-se apenas milimetros e continuo a sentir a sua respiração quente e acelerada.
"God..." Suspirou com uma risada. "Eu tive saudades da tua boca."
"Não digas isso outra vez, ou só vais levantar-te desta cama com os lábios inchados..." Ela semicerrou os olhos e abriu um sorriso suspeito. Aproximou os lábios do meu ouvido.
"Eu tive saudades da tua boca..." Sussurrou no meu ouvido e beijou o meu pescoço no fim da frase. Os seus lábios voltaram ao meu ouvido e antes da sua voz ouvi um riso pequeno. "E não foi a única coisa de que tive saudades..." Senti um arrepio na espinha, mas um daqueles arrepios bons que apuram todos os sentidos.
"Fala-me mais sobre isso..." Sussurrei a tentar contrariar o sorriso perfeitamente malicioso que sei que tenho na cara. Ela sorriu e rotornou ao meu ouvido.
"Não aguento mais poder ver-te e tocar-te mas não poder fazer mais nada com esse corpinho que Deus te deu..." Yup... acho que já falou o suficiente.
Sem que ela estivesse à espera agarrei em ambos os lado da sua cintura e deitei-a de costas na cama e fiquei por cima do seu corpo, com um joelho de cada lado das suas pernas e as mãos apoiadas no colchão, uma de cada lado da sua cabeça.
"Nós podemos definitavamente resolver isso..." Desta vez nem me dei ao trabalho de tentar esconder a malicia na minha voz e na minha expressão.
"Já tens preservativos? Porque eu não..." Apenas deixei escapar uma risada porque este momento está a parecer-me um dè ja vu.
"Se confiares em mim eu confio em ti..." Repeti a mesma frase que disse naquela noite e ela parece ter-se lembrado porque soltou uma risada ao ouvi-la.
Bem...Parece que vamos fazer um remake da melhor noite da minha vida...
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Vizinhança
Short StoryTudo começa quando Abigail chega ao seu novo apartamento, prestes a recomeçar toda a sua vida com pouco mais do que o essencial para viver. Mas algo tenta impedí-la de deixar o passado para trás das costas e viver um futuro mais brilhante.