FIM

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Ponto de vista do Zain

Sabem aquela sensação de realização como se toda a vossa vida culminasse num só momento? Aquele momento em que olham em volta e agradecem em voz alta por tudo aquilo que um dia já passaram porque tudo isso vou levou àquele momento em específico e nada poderia ser mais perfeito? 

Sabem quando dão voltas à cabeça e pensam em todos os erros que afinal não foram erros porque vos trouxeram aqui? Aquele momento em que a sabem que já fizeram a vossa vida valer a pena? Bem, eu estou a ter esse momento agora, pela segunda vez. 

A primeira vez em que vi todas as estrelas alinhadas na minha vida, e em que tive todas as certezas e todas as incertezas do mundo dentro de mim num só segundo foi no nascimento do meu primeiro filho... Sim, na noite do remake não tivemos tanta sorte quanto antes, no entanto não foi tão dramático quanto eu previ que fosse... acho que no fundo, quando o estavamos a fazer já sabíamos, nós eramos dois jovenzinhos bem azarados, e de forma nenhuma que iamos escapar impune a duas brincadeiras daquelas. No fundo acho que não estavamos de todo preocupados com isso, nós já tinhamos passado por um susto, de certa forma até já tinhamos interiorizado a ideia, e quando descobrimos que era falso alarme, até já não nos parecia assim tão mal a ideia de um bebé, e isso quando eramos apenas conhecidos, por isso, naquela noite, se houve um pensamento que não nos ocorreu foi a preocupação com possíveis bebés. 

Se ficámos assustados? Sim! Muito, logo no segundo seguinte a acabarmos a nossa brincadeira ficámos assustados ao ponto de andarmos às voltas pelo quarto, com a cabeça no meio das mãos, e a repetir irritantemente "E agora? E agora?" Digamos que não fomos propriamente cautelosos nessa noite... na outra, sim, eu tinha sido cauteloso, mas não nessa... nós combinámos no calor do momento que não iamos interromper algo de tão bom, e que iriamos comprar a pílula do dia seguinte assim que as farmácias abrissem... não comprámos. Esquecemo-nos do facto de que era fim do mês, e de que estavamos completamente lisos a ponto de não conseguirmos comprar o comprimido. Eu disse que ia pedir um andiantamento... na verdade, a falta de dinheiro foi apenas uma situação esporádica para mim, apenas porque tive de fazer alguns arranjos no carro que sairam mais caros do que eu esperava... o meu patrão deu-me o adiantamento, no entanto quando consegui finalmente comprar o comprimido já tinham passado vinte e quatro horas, apenas cerca de uma hora e meia depois de terem acabado as vinte e quatro, mas eu já sabia, e ela também já sabia quando a tomou que era em vão... nós não tínhamos sorte... nunca tivemos.

E antes que eu pudesse dar por isso, estavamos a viver numa só casa, a sua barriga já tinha crescido, e estávamos mais felizes do que alguma vez tinhamos sido. Contra todas as expectativas, o nosso filho não poderia ter sido mais desejado do que foi... Ao início foi um choque, mas depois do choque a felicidade invadiu a nossa casa. E de repente, estavamos no hospital, e de repente ouvi um choro, e de repente eu era pai... o pai mais babado que poderia existir. 

A nossa vida melhorou, eu fui promovido, ela estudou em pós-laboral e hoje em dia é enfermeira. Mudámo-nos do nosso pequeno apartamento, que sem dúvida deixa bastante saudade, e comprámos uma vivenda nos suburbios, como nós sempre sonhámos. 

E hoje, mais uma vez, vejo as estrelas alinharem-se para mim. Foi há quase oito meses que tomamos esta decisão, nós queremos tirar alguém da possibilidade de uma vida igual à que tivemos em tempos, e então achamos que seria o mais sensato a fazer... visitámos orfanatos durante meses, até que chegámos aquele orfanato... um pequeno vulto escondia-se debaixo das mantas. "Tem uma condição cardio-respiratória... precisa de tratamento até pelo menos aos dez anos para ter uma vida normal..." Foi o que a assistente social nos disse, nós não queríamos saber... aquele era o Jacob, e seria o nosso Jacob... será o nosso Jacob hoje, assim que assinarmos os papéis que estão à nossa frente na mesa, nesme exato momento. 

Passámos os últimos dias a decorar o quarto que será para ele, e ontem à noite, enquanto jantava e falava sobre este momento em que iria assinar os papéis, mais uma bomba me caiu em cima. 

"Zain..." A sua voz chamou-me, e tem um sorriso a nascer-lhe nos cantos dos lábios. Olhei para ela e ela pegou na minha mão. "Eu sei que não é uma boa altura, mas... eu estou grávida outra vez."

"Como assim? Tens a certeza?"

"Eu já fiz o teste, não te disse nada antes porque não te queria preocupar com se não fosse necessário." 

E assim mesmo, no espaço de quatro anos deixei de ser eu sozinho, num apartamento frio, a trabalhar como um robot, e passamos a ser nós os cinco... O Mathew, o Jacob, a Kiara, a Abi e eu... como a família feliz que eu não sabia que existia. 

VizinhançaWhere stories live. Discover now