"É impossível não ter medo quando ele sabe onde eu vivo e vem a minha casa de madrugada ameaçar-me na calada da noite quando estou sozinha."
"Não estás sozinha... só parece que estás. Eu estou a quinze centímetros de ti. E sempre que precisares ou que quiseres podes simplesmente bater na parede... ou chamar-me... e nem precisas de chamar muito alto para eu ouvir... estas paredes são pouco melhores que papel..." Riu-se. "E eu sei que me conheces há dias e que não tens razões para confiar em mim, mas também não tens razões para desconfiar."
"Obrigada..." Sorri, de forma genuína. "A sério... desde que eu cheguei só te tenho dado trabalho."
"Não dás trabalho... eu só faço por ti o que quero fazer... tu nunca me pediste nada. Acredita, eu sei o que é estar sozinho... eu passei muito tempo sozinho e se eu puder evitar que passes pelo que eu passei eu vou evitá-lo. E se me deixares eu nunca mais te deixo chorar sozinha... não te impeço de chorar, mas pelo menos chora no ombro de alguém... eu ouvia-te soluçar do lado de lá da parede e tudo o que conseguia imaginar eras tu, encolhida no colchão no chão, no escuro, completamente sozinha e assustada e essa visão dava cabo de mim..."
"Desculpa."
"Pára de pedir desculpa, Abi... eu não quero que me peças desculpa. Não tens razão nenhuma para pedir desculpa. E promete-me que não vais chorar para outro lugar da casa para eu não te ouvir... porque eu vou ouvi-lo quando ele vier aqui e se eu não te ouvir depois disso eu vou vir aqui para te checkar..."
Senti um sorriso formar-se na minha cara, embora pequeno. Nunca ninguém se tinha preocupado comigo... chega até a ser uma sensação estranha, porque eu meio que já tinha desistido de confiar em alguém e ele faz-me confiar nele. Eu já tinha perdido a esperança na sociedade, e ele está mesmo a fazer-me acreditar que ainda há pessoas boas, e eu sinto que devia estar mais na defensiva mas não consigo... toda a gente se vai abaixo nalguma altura e a minha altura chegou... apenas sinto que estou a chorar descontroladamente enquanto vejo as minhas lágrimas cairem na manta no chão que improvisa o meu sofá. A sua mão pegou na minha e puxou-me para mais perto dele.
"De-desculpa..." Pedi, a soluçar.
"Shh... eu já disse que não tens de pedir desculpa. Está tudo bem... podes chorar."
Pousou uma mão na minha cara e aos poucos fez-me encostar a cabeça no seu ombro, enquanto estamos ambos sentados na manta no chão e enconstados aos almofadões. Não sei durante quanto tempo chorei... mas deve ter sido muito porque acordei já a madrugada ia alta. A televisão está acesa e ele dorme encostado aos mesmos almofadões enquanto eu dormia encostada a ele e ainda com a cabeça no seu ombro. Desencostei-me e olhei pela janela... parece até que a manhã já está a clarear porque o céu em vez de negro está a tomar tons de azul escuro. Respirei fundo e senti uma certa leveza dentro de mim... como se tivesse descarregado um peso que trazia comigo há demasiado tempo. Ele acabou por também abrir os olhos com o movimento.
"Olá..." Foi tudo o que consegui dizer.
"Olá..." Respondeu com uma voz rouca de sono. "Estás bem?" Dormiu completamente desconfortável e ainda carregado comigo e a primeira coisa com que se preocupa quando acorda é se eu estou bem?
"Sim... eu estou bem." Sorri. "Tu estás bem?" Apenas sorriu e assentiu, voltado a fechar os olhos.
"Que horas são?"
"Não sei... deve estar para perto das seis..."
"Achas que estás bem para ficar sozinha?"
"Sim... eu estou bem."
"Devias ir para a cama... dormiste numa posição horrível. Eu também vou voltar para casa."
"Sim... devias ir descansar... também não deves ter dormido muito bem."
"Dormi bem o suficiente." Sorriu. "Descansa, está bem? Nós falamos mais logo." Assenti e ele levantou-se. Dirigiu-se à porta e olhou para trás, para mim, antes de sair. "Se precisares de alguma coisa chama na parede do quarto." Eu assenti.
Ponto de vista do Zain
Entrei em casa e fui direto para o quarto. Deitei-me na minha cama a sentir-me melhor do que me lembro de alguma vez me sentir. Será que isto já aconteceu a mais alguém? Assim? Adormecer perfeitamente normal e acordar apaixonado por uma quase desconhecida a um nível demasiado profundo de mim para conseguir sequer explicar...
Eu admito ter um fraquinho por ela desde o primeiro momento em que a vi... mas ainda assim... ontem adormeci com um fraquinho e hoje acordei... e vi a sua cara... vi o seu sorriso e ouvi a sua voz e senti o perfume e... e só consegui sorrir e sentir-me a flutuar... Senti que tinha conseguido fazer algo de útil... senti que consegui consertá-la nem que seja só um bocadinho... senti que o seu sorriso era sincero e senti que ela estava um bocadinho menos destroçada que ontem quando cheguei a sua casa... Senti que finalmente tenho um propósito na vida... tenho um objetivo maior do que simplesmente conseguir pagar a renda no final de cada mês... Senti que tenho um sonho... eu não tinha um sonho desde que consegui comprar o carro e agora eu tenho... o meu novo sonho é poder acordar como acordei hoje, todos os dias... estou a pedir demais? Talvez... mas eu sou exigente. É demasiado cedo para dizer que estou apaixonado? Talvez... eu nunca me considerei apaixonado antes, mas também nunca senti nada de semelhante a isto antes. Nunca senti tanto a necessidade de proteger alguém, de a fazer acreditar que está tudo bem... de a ter por perto e de conseguir meter-lhe um sorriso na cara... E eu sei que provavelmente a última coisa que ela precisa é que esteja apaixonado... ela precisa de um amigo sem segundas intenções em quem possa confiar, mas eu posso ser essa pessoa... eu sei controlar os meus impulsos e posso ser o amigo que ela precisa... sem segundas intenções...
YOU ARE READING
Vizinhança
Storie breviTudo começa quando Abigail chega ao seu novo apartamento, prestes a recomeçar toda a sua vida com pouco mais do que o essencial para viver. Mas algo tenta impedí-la de deixar o passado para trás das costas e viver um futuro mais brilhante.