Lívia

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O coração é uma máquina programada pela mente humana para amar verdadeiramente apenas uma vez na vida! Os outros "amores" são extensões do primeiro, faltando-lhes algo essencial: o arrepio na alma.

Amar é cultivar um arrepio na alma. Esse arrepio é capaz de ficar adormecido por décadas sem jamais perder a eletricidade que o mantém vivo.

Amei Lívia quando ainda não entendia o que significava amar. Eu tinha 9 anos de idade; ela, 15. Achava-a linda. E meus pensamentos pertenciam àquela garota baixinha, riso fácil no rosto moreno, que já enveredava nos caminhos do amor - Lívia namorava um garoto da nossa rua, um ano mais velho que ela.

Aquele namoro durou alguns anos e, certo dia, Renato mudou-se com a família para outra cidade, deixando-a arrasada. Mas o coração é vento travesso, precisa voar alto para sentir o delírio da queda, a emoção de atirar-se em novas aventuras. E Lívia conheceria outros garotos.

Quando cheguei aos 15, redirecionei o olhar e contemplei um mundo mais vasto. As outras meninas não eram tão belas quanto Lívia, mas preenchiam o vazio deixado por ela ao longo dos anos.

Um dia, o universo resolveu conspirar a nosso favor: eu a encontraria numa festa que rolava aos domingos no clube da cidade. Ela se posicionou atrás de mim, pôs as mãos em concha tapando-me os olhos e ficou em silêncio, esperando eu adivinhar quem era. Evidentemente que eu não sabia. Afastei suas mãos e, ao vê-la, demos um abraço forte, interminável (como desejei aquele abraço!). Dançamos juntos até o fim da festa. Já era madrugada quando demos o primeiro beijo, e um arrepio estremeceu minha alma.

Adorávamos a companhia um do outro. E nossa relação se resumia a encontros esporádicos, a beijos e abraços apaixonados. Até que os país de Lívia resolveram também mudar de cidade.

O tempo passou. Vinte anos depois encontrei Lívia numa rede social: estava casada e tinha dois filhos. Passamos a trocar mensagens com regularidade, até que resolvemos marcar um encontro. Ela chegou antes de mim. Sentou-se num banco da praça e ficou contemplando o crepúsculo, perdida em pensamentos. Aproximei-me sorrateiramente, posicionei-me atrás dela e coloquei as mãos em concha em seus olhos, tapando-os. Ela acariciou minhas mãos e disse docemente o meu nome. Levantou-se e demos um abraço apertado, pleno de saudade.

Conversamos bastante, até que a noite nos cobriu com seu véu espesso. Na despedida, ela me pediu um último beijo. E aquele beijo arrepiou nossas almas.  

Os Amores que ViviOnde histórias criam vida. Descubra agora