Esther

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Há, no mundo, pessoas e anjos. As pessoas são seres dotados de um polegar opositor e quatrocentos gramas de carne pulsante, profundamente marcados pelo conflito e pelo senso de competição. Já os anjos, que estão disfarçados de pessoas, diferem-se pelo tom suave da voz, pelo brilho inapagável do olhar, pelo coração sensível e, sobretudo, pela infinita capacidade de amar. De amar apenas uma vez na vida.

Quando perdi uma pessoa muito querida, por culpa exclusivamente minha, fiquei desnorteado. Afastei-me dos poucos amigos que tinha e me joguei no abismo das noites intermináveis, afogado no álcool, mergulhado na solidão.

Numa dessas bebedeiras, na companhia dos amigos de ocasião, gente que eu mal sabia o nome, conheci Esther: pele morena, olhos pequenos e tímidos, cabelos castanhos sobre os ombros e um sorriso que iluminou meu olhar e aqueceu meu coração naquela madrugada fria.

Aproximei-me dela e não tive tempo de falar nada. Caí aos seus pés, completamente bêbado. Despertei, pouco tempo depois, em seu colo, numa calçada adjacente ao bar onde eu estava. Pedi desculpas pelo vexame e parei de falar quando tudo começou a girar diante de mim. Ela acariciou meus cabelos, pediu-me para ficar quieto. Fiquei imóvel, olhos fechados, recostado em seu peito. Dormi ali, naquele colo morno, acolhedor.

O sol surgia ao longe e os primeiros raios me despertaram. Ergui os olhos e vi o sorriso mais claro que o sol, a poucos centímetros de mim. Levantei-me, envergonhado, e ofereci carona a Esther, que morava três quadras dali.

Os dias que se seguiram foram leves e graciosos na companhia dela, que também tinha sérios problemas com o álcool. Fizemos um pacto e resolvemos parar de beber. Os fins de semana tornaram-se aprazíveis, e o coração, mesmo exibindo velhas cicatrizes, agora estava mais calmo, enviando bons fluidos para o corpo inteiro.

Foram dois anos de convivência pacífica, de amor recíproco. E aquelas duas pessoas profundamente marcadas pelos revezes da vida, agora pareciam anjos na aparência e nos gestos.

A última vez que tive notícias de Esther foi por meio de um cartão postal: Torre Eiffel ao fundo, uma linda criatura sorrindo. E seu sorriso iluminava o mundo inteiro.

Os Amores que ViviOnde histórias criam vida. Descubra agora