O ser humano é um cálice que nunca se enche completamente, pois há em sua superfície minúsculos poros pelos quais se esvaem os sentimentos mais finos: confiança, verdade, otimismo e, é claro, amor. Há, contudo, sentimentos mais densos, que não atravessam tais poros, enchendo o cálice de cólera, tristeza, inveja e medo.
Marisol tinha dentro de si todas as angústias do mundo. Descobri isso na primeira noite que passamos juntos, após uma longa conversa. Tínhamos a mesma idade e descerrávamos a cortina da inocência, impactados por um mundo novinho em folha.
18 anos! Era como se o pano da ignorância, que nos mantém na penumbra por tanto tempo, caísse irremediavelmente aos nossos pés, permitindo que o sol da liberdade brilhasse em toda a sua plenitude. Foi essa luz que me fez enxergar que o cálice da minha vida estava quase vazio.
Quando se é novo, inexperiente, anda-se em bando. Foi justamente na companhia de alguns amigos que conheci Marisol: branca, loira, boca vermelha, riso contido. Tinha dezoito anos e era uma das garotas de um bordel de quinta categoria que ficava nos arredores da cidade.
Eu e meus amigos queríamos bebida e sexo, necessariamente nessa ordem. Marisol aproximou-se de nossa mesa, abriu a cerveja e saiu sem dizer qualquer palavra. Encorajado pelos parceiros, que insistiam em afirmar que eu era virgem, aceitei fazer um programa com a loirinha e subimos para o quarto. Havia um ventilador sobre uma cadeira, próximo à cama, e um banheiro em petição de miséria.
Marisol tirou a blusa e o short e sentou-se à beira da cama vestindo roupas íntimas. Seu corpo era pequeno e parecia frágil. A tristeza do seu semblante arrefeceu o meu desejo. Sentei-me ao seu lado e puxei conversa. Ela tinha um filho de seis meses e fora expulsa de casa pelo pai que não queria "filha puta", achando guarida naquele bordel. Observei o tecido do sutiã levemente molhado e julguei que aquele líquido seria leite que jorrava dos seios intumescidos.
Paguei o valor acertado sem tocar nela. Voltaria muitas vezes ali apenas para conversar, sentado à beira da cama ao lado daquela menina que se tornara mulher repentinamente, enchendo o cálice da vida com sentimentos espúrios, encontrando em mim um refrigério para a sua alma triste. E apaixonei-me pela luz do seu olhar e pelo riso doce nos lábios vermelhos, que ela guardava só para mim.
Numa certa noite, a luz daquele olhar apagou-se para sempre. Marisol fora atacada por um cliente que, antes de lavá-la ao quarto, havia bebido além da conta. Ela tentava impedir o homem de tocar-lhe os seios, onde guardava o alimento sagrado do filho pequeno.
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Os Amores que Vivi
ContoPequenas histórias de amor regadas a encontros e despedidas, sorrisos e lágrimas, afetos e desafetos.