Cibele

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A liberdade é um céu azul, lugar onde os pássaros costumam voar sem temer o perigo que nasce no chão e ambiciona roubar-lhes o sublime direito de ser vento.

Cibele, irmã de um amigo do tempo da escola, perdera o prazer de percorrer os céus da liberdade aos dezoito anos, num momento da vida em que as asas estavam prontas para levá-la por céus nunca antes explorados. Flagrada com dezenas de comprimidos de ecstasy, não conseguiu convencer o delegado que o psicotrópico era para uso pessoal, sendo recolhida à penitenciária por tráfico de entorpecentes.

Otávio, irmão de Cibele, aquele amigo do tempo de escola, ligou-me certa noite profundamente abalado pela prisão repentina. Procurei acalmá-lo, prontificando-me a acompanhá-lo quando fosse visitá-la na cadeia.

Ele não se faria de rogado e, dois dias depois, estávamos no pátio da penitenciária. Cibele e as demais presas não custaram a aparecer. A moça caminhou cabisbaixa e, sem levantar a cabeça, abraçou Otávio demoradamente. Fui apresentado a ela e a cumprimentei com um tímido menear de cabeça. Foi aí que percebi o quanto aquela mulher de múltiplas tonalidades era atraente: pele morena, cabelos pretos e longos, olhos travessos cor de mel.

Conversaram a meia voz por um longo tempo. Depois que se despediu do irmão, Cibele agradeceu-me pela presença com um sorriso estreito, envergonhado.

Na semana seguinte, acometido por uma virose que o deixou acamado, Otávio incumbiu-me de visitar Cibele. Cheguei na hora em que as detentas começavam a ocupar o pátio da cadeia. Desconcertada, perguntou-me pelo irmão e entendeu a razão pela qual ele não estava ali, agradecendo-me outra vez pela gentileza da presença, dessa vez com um sorriso mais largo, sem qualquer vestígio de vergonha. Conversamos bastante e, na hora da despedida, durante um abraço apertado, ela segredou em meu ouvido:

"Se quiser pode se passar por meu namorado e, na próxima semana, dá até pra rolar uma visitinha íntima!"

Otávio mostrou-se surpreso e comovido quando soube que eu visitaria Cibele todas as semanas, evitando que ele faltasse ao trabalho, sem saber que nas tardes de quinta-feira eu gozaria as delícias do prazer ao lado daquela mulher carente, disposta a se apaixonar por alguém.

Numa dessas visitas, contudo, eu levaria um grande susto: Cibele e algumas parceiras tramaram uma rebelião, ateando fogo em colchões e ameaçando visitantes e carcereiros de morte. Foram horas intermináveis de angústia, com um estilete encostado em meu pescoço. Até que finalmente a polícia invadiu o local e controlou a situação.

Nunca mais coloquei os pés numa cadeia. Prefiro a liberdade esvoaçante das ruas e, pleno de sentimento, não troco por nada a capacidade de ser vento.

Os Amores que ViviOnde histórias criam vida. Descubra agora