Chapter IX - Burn, Witch, Burn!

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Levanto quando ele desiste. Quando ele desiste de me encarar. Ele para diante de mim, com uma expressão indecifrável. As pontas da coroa o fazem parecer mais alto, como se o cobre flamejante saísse de seu crânio. A coroa brilha, e cada ponta é um caminho de rubis, ladeado por bronze e prata. Me concentro nesse objeto amargamente familiar para não encarar Froy. Ele me traz para perto, puxando minhas mãos.
- Diga que isso é mentira - iniciou ele, estupefato - Você não pode... Você não pode ser uma farsa.
- Eu sinto muito, eu nunca quis que nada disso acontecesse - afirmei, sincera - Eu fiz o que precisava fazer, Alteza. E eu sei que você não é como os outros, Froy.
- O que você sabe sobre mim? - bufa ele - Deus, alguma coisa foi real?
- Froy...
- Saia - troveja ele, mais alto da segunda vez - Saia!
Cabisbaixa, deixo sua presença. Lágrimas ácidas teimam a cair, e resignada, sigo de volta ao encontro de Harry e Luce. Meu tempo neste castelo estava contado, era apenas uma questão de tempo até que os guardas viessem me trancar na masmorra. Ou, na pior das hipóteses, juntassem as duas irmãs para queimarem juntas. Uma mão branca cerca meu punho, quase gentil. Involuntariamente, meus olhos se voltam para o rosto dele, sem conseguir desviar. O sorriso é tudo menos doce. Fino e afiado como uma navalha, me perfurando com cada um dos dentes. Os olhos são ainda piores.
- Perdida, princesa? - indaga o Inquisidor, evasivo.
- Não, Eminência - cuspo - Apenas estava perambulando com meus pensamentos.
- Que hábitos peculiares o exílio lhe agregou, não é mesmo? - ele me investiga com o olhar, entretanto, não se preocupa em disfarçar - Espero somente que saiba seu lugar nesta corte, que mesmo sendo a futura rainha, está abaixo do poder de Deus e principalmente do meu. O que aconteceu mais cedo não poderá jamais se repetir.
Me seguro para não rir.
- Pobre Solomon. Não cansa de se esgueirar como um rato próximo da ratoeira? - desdenho - Sabemos que as leis sagradas nunca foram sua motivação para fazer o que faz, tampouco os dogmas da igreja.
- Está questionando minha aptidão religiosa, Alteza?
- Questionando, não. Estou apenas tirando a superfície para transmutá-la no que realmente é: patriarcalismo.
- Você é uma mulher de opiniões fortes, mas isso não é viável - afirmou ele - Mulheres, sejam nobres ou não, nunca foram e jamais serão capacitadas para governar. Você está tentando igualar o que é desigual desde o princípio.
- Aí está a graça, e se Vossa Eminência permite um conselho - murmurei, despejando o veneno que adquiri da rainha - Não se meta no meu caminho.
Com passos firmes, segui pela pernumbra.
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Passo os olhos de um lado para o outro, ansiosa, na defensiva, vasculhando todos os rostos e todas as sombras à procura de oportunidades ou perigo. Seda, pedras preciosas e lindas armaduras cintilam sob a luz de uma dezena de lustres, criando uma constelação humana que se move sobre o piso de mármore. Depois de um mês na corte, a visão é comum, mas absorvo tudo como se fosse a primeira vez, sedenta. Tantas cores, tantas vozes, tantos nobres conhecidos. Ninguém me nota ainda. Seus olhos não me seguem. Estão concentrados uns nos outros, nas taças de vinho e nos licores multicoloridos, no ritmo agitado, na fumaça perfumada ondulando pelo ar. Uma comemoração extravagante, mas não faço ideia do motivo. Todos os monarcas da Dália ainda se encontravam em Alhures, quase esquecera disso. Ainda precisava desempenhar meu papel. No canto esquerdo, observo a chegada de uma garota que conheço bem. A vi faz pouco tempo, e ela estava beijando minha dama de companhia. Era Mirtes.
- Alteza, eu gostaria de explicar o que aconteceu há pouco... - iniciou ela, seus cabelos vermelhos destacando seus olhos azuis.
- Vosso segredo está seguro comigo, eu jamais a exporia - garanti.
- Eu agradeço à Vossa Alteza por isso - disse Mirtes - Sei que não lembra, mas nos conhecemos quando pequenas.
- Minhas memórias da infância são confusas, turvas - disse - Sinto muito por não lembrar, espero que possamos fazer novas memórias.
- Nada me deixaria mais contente.
Sinto a presença de Harry sem nem precisar vê-lo. Meu guarda-costa tinha uma aura que fazia com que me sentisse segura, ainda que o mundo ao meu redor estivesse desmoronando.
- Com vossa licença, Alteza - ele faz uma breve reverência, a qual Mirtes respondeu se ausentando - Cat, tenho boas e más notícias. Quais quer ouvir primeiro?
- Considerando tudo que vai acontecer até a aurora, as boas primeiro.
- O príncipe revogou a caça às bruxas, e adiou a incineração de Cam - disse ele - Ainda que eu acredite que seja uma decisão consoante com a presença dos reis e rainhas, nos dá tempo para planejar.
- E as más?
- Bom, são duas. A primeira é que encontrei os assaltantes que saquearam a carruagem.
Engulo em seco. O cadáver de Celeste era uma memória viva na minha cabeça.
- Eles irão revelar o nome do mandante em troca de um saco de ouro, o que eu não tenho.
- Eu darei alguma jóia para que use como moeda de troca, agora, qual a outra má notícia?
- Cameron voltou a ser interrogada. Pelo que pude ouvir, Dom Solomon está perguntando quem a ajudou na fuga.
- Isso é mau. Cam é apenas uma garotinha, sob pressão, pode acabar revelando o nome de algum de vocês.
- Não somente de nós, mas de você também - Harry murmura, nervoso - Nenhum membro da família real pode saber a verdade sobre a usurpação.
- Froy já sabe.
- O quê?
Seu tom se eleva, atraindo olhares.
- Eu implorei pela vida de Cameron, Harry.
- Acha mesmo que o príncipe herdeiro deixaria de executar o que lhe compete porque você pediu? - ele ri, mas de nervoso - Catherine, você acabou de colocar a guilhotina sobre sua cabeça.
- Minha irmã não vai ser queimada, Harry - afirmei - Nem que para evitar isso eu precise matar.
                               +++
O caminho para as masmorras já não me era desconhecido. A luz da vela tremia, frágil, ameaçando me deixar sozinha em plena escuridão. Como se eu já não estivesse. Meu corpo responde ao frio da noite, meus ossos congelando. O tempo como Celeste de Pottier me deixara acostumada ao aquecimento, aos cobertores. Luxos caros. Luxos estes que como Catherine Millstone eu jamais poderia manter.
- Cam?
Minha voz sai mais baixa do que eu desejava, mas é eficiente o bastante. Pela luz provinda da chama, vejo minha irmã se movimentando lentamente até a labareda.
- Cat, eu sinto tanto...
- Cam, por que diabos você fugiu da carroça? - minha intenção não era ser ríspida, mas falhei - Tudo está desmoronando, agora nossas cabeças estão em jogo.
- Eu precisava, Cat. Eu senti algo antes que sua dama de companhia me tirasse do castelo - disse ela, engolindo em seco - Lembra quando a mamãe nos ensinou como sentir a presença de magia?
- Cameron, faz tanto tempo... Tanto, que eu até desaprendi - revelei.
- Bom, eu não. Eu já vinha sentindo nas minhas veias o chamado do poder, da bruxaria, foi quando me ausentei do palácio que percebi - Cameron segurou minhas mãos - Você não é a única bruxa que reside na corte, minha irmã. Há outro foco de poder aqui.
- Não é possível, eu saberia. Além do mais, ninguém aqui demonstrou ter quaisquer habilidades sobrenaturais.
- Eles vão queimar mulheres inocentes até que a Peste suma, e não é algo que chega do dia para noite - disse ela, tossindo - Cat, se algo me acontecer...
- Nada vai acontecer a você, escutou? Você é minha irmãzinha, nunca deixarei nada de ruim acontecer a você - disse, novamente prometendo algo que não poderia cumprir. - Preciso voltar para os meus aposentos agora, cuide-se. Tentarei voltar amanhã após a despedida dos monarcas.
Virei rapidamente, não dando oportunidade para que ela respondesse. Vê-la enjaulada como um animal era duro, e presenciar enquanto ela tentava disfarçar a sua dor e ferimentos era ainda mais torturante. Entretanto, quando me encontrei pude ouvir ela sussurrar:
- Você é a melhor irmã mais velha do mundo, eu amo você.
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Pela manhã, a corte e seus convidados foram convocados à Sala do Trono em força total. Majestades e suas famílias se reúnem em sua desordem usual. Cada cor é como um ataque, fogos de artifício de pedras preciosas e brocados. Entro no caos, acrescentando prata, ônix e mentiras. Amber está viva e pulsando com seu manto cobre, destacando seu vestido azul. Entretanto, não é ela quem procuro. Froy não está em lugar algum, me desespero interiormente.
As portas da Sala se fecham atrás de mim, me aprisionando com os piores seres. Os monarcas abrem caminho para eu passar, formando um longo corredor da entrada até o trono. Eles murmuram enquanto caminho, notando cada detalhe, as mulheres invejando o quão radiante estou. E realmente estava. Os modelos que Celeste recebera de Laios eram magníficos. Minha coroa brilha quando a luz do sol bate nela, lançando brilho prateado para quem estiver perto. Quando finalmente chego perto o suficiente da rainha, murmuro:
- Majestade, onde está Froy?
- Iria lhe fazer a mesma pergunta - ela sorri, transparecendo a falsa calma e a errônea normalidade. Luce se aproxima sorrateira, pegando o anel de ônix que prometi a Harry. Os olhares de todos mudam de foco, voltando-se para as portas. Meu noivo adentra, trajando preto. Diferentemente da mãe, ele não quer se gabar do cobre típico de Alhures, prefere uma cor de luto. Provavelmente sepultando seu amor e confiança por mim. Preciso assistir a tudo, sentada numa cadeira vermelha com o resto do séquito real. A cerimônia é rápida, apenas para que os reis possam se despedir de Amber, seu filho e desejar melhoras ao rei Tiberias. Conforme se aproxima, diante dos olhos da corte, o olhar de Froy está sempre em mim. Ele treme, com medo, mas algo na minha presença o impede de fugir, faz com que continue caminhando. Está claro que ele acha que sou uma assassina. Acredita que sou a bruxa ou a cúmplice da bruxa que atentou contra seu pai. Meus pés e ombros tremem quando ele se ajoelha perante mim e faz o juramento típico. A parte mais difícil é ficar parada e em silêncio. Apesar dos membros desengonçados, da pele pálida e das mãos calejadas pelas incontáveis páginas de livro que ele lia tão desesperadamente, ele parece um coelhinho entrando direto numa armadilha. Basta eu soltar uma palavra errada e a armadilha se fecha.
Quando chega a hora, cruzamos nossos braços, seguindo atrás de Amber.
- Eu ainda acho que tudo isso é um pesadelo, que quando acordar tudo que você me disse será uma mentira - ri ele, distante - A única pessoa que eu jurava que seria diferente, a que não mentiria para mim...
- Eu sou a mesma de sempre, eu apenas não sou a princesinha que você foi prometido - esbravejo - Sinto que sua mágoa maior não é ter se apaixonado por uma plebéia, por uma farsa como você chama. Mas sim o fato de que eu não sou a mulher que você idealizou.
- Acha mesmo que sou tão volúvel? - sinto suas mãos pressionarem meu rosto - Eu quero muito beijar você agora, quero esquecer tudo que me disse. Como Froy, eu não me importo com nada daquilo. Mas como o herdeiro da Casa Lancaster, o futuro rei de Alhures, eu simplesmente não posso.
Seus olhos azuis me invadem. Eu o beijo, ignorando todo o resto. Ouço murmúrios de alguns dos nobres que estão por perto, mas ignoro.
- Eu não posso pedir que você esqueça, Alteza. Eu só peço que tenha misericórdia - disse - Se não por mim, pela minha irmã. Minha irmã que nunca fez mal a uma alma viva...
Um dos homens do Inquisidor faz uma reverência.
- Dom Solomon solicita a presença de Vossa Alteza na Praça de Amber - informa o homem.
- E o quê Sua Eminência pretende fazer na Praça de Amber?
- Ele vai queimar a bruxa, Alteza.
Meus pés cedem.
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A seita religiosa não abaixa seus capuzes, um sinal de respeito ao Inquisidor. Em pé, Dom Solomon goza de um novo traje, abandonando o roxo típico para um branco perolado. Froy me mantém de pé, ainda que meu corpo inteiro implore pelo chão. Cameron se mantém firme, mesmo presa e amordaçada ao tronco. Ela é apenas uma garotinha, como ninguém percebia isso?
- Eminência, não foi autorizado por nenhum membro da corte real a incineração da bruxa - disse meu príncipe - Ademais, quais são as evidências concretas quem tem contra essa criança?
- Alteza, ela é uma prostituta de Satã. Que prova mais contundente precisa? - ri o homem - Já foi demonstrado que sua saúde é, digamos, duvidosa para um rei. Se me proibir de queimar uma bruxa, o Conselho da Dália pode reconsiderar vossa ascendência ao trono.
Meu olhar e o de Cam se encontraram. Perdão, profiro com os lábios.
- Em Sua presença, Ó Deus, condeno a alma da outrora serva de Satanás - brada Dom Solomon - Que no Juízo Final, Vossa decisão recaía sobre essa pecadora. Agora queime, bruxa, queime!
Um dos homens segura um tocha que cospe fogo. Meu coração para, meus dedos se congelam. Minhas veias bombeiam areia ao invés de sangue, meus olhos não conseguem despejar uma lágrima sequer. Já não restam lágrimas para chorar. Harry chega, segurando minha mão. Froy se afasta.
- Cat, foi Amber - ofega ele - Amber mandou aqueles homens saquearam a carruagem de Celeste.
- O quê?
Mas não termino. Sinto o calor do fogo eminente, as chamas consomem e queimam a carne da minha irmã. Ela grita. E eu também.









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