Chapter V - The Princess and the Commoner

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O silêncio nos espera. A neblina cinzenta e úmida ainda paira sobre as masmorras de Alhures, trazendo a fuligem e a poeira tão para baixo que eu poderia tocá-las. Faz um calor suave, o calor da primavera, a estação da mudança. Temo que esteja presa para sempre no inverno do olhar de Harry. Sinto sua raiva expelir, um jato de pura fúria prestes a se eclodir contra mim.
- Quem é você? - repetiu ele, ainda com sua arma em punho.
- Eu sou Celeste de Pottier, princesa de Ilhures e exijo que você me solte neste exato momento, guarda - vociferei.
- Mentirosa - zombou Harry - Como diz ser a princesa, se Vossa Alteza nem sabe muito bem quem sou.
- E que tipo de amor platônico nutrias por mim, guarda?
- Meu amor por Celeste era puro, frágil - disse Harry - E você não é ela, Alteza.
- Já que não sou a princesa, quem sou? - bradei, fazendo-o tremer involuntariamente - Você deveria mostrar mais respeito à sua futura rainha.
- Pode fingir o quanto quiser, mas você não é ela. Eu lembraria dos lábios dela.
E com isso, ele se aproximou até seus lábios e os meus estarem próximos o suficiente.
- E definitivamente não são os seus.
- Afaste-se de mim imediatamente, guarda Harry - pus todo o desprezo possível na minha voz - Ponderarei com toda misericórdia que o Altíssimo concedeu para não enviá-lo para a forca.
- Faça isso, princesa - sua barba roçou no meu rosto ao sussurrar no meu ouvido - Iremos perder nossas cabeças juntos.
                              +++
Fugir de Harry não foi difícil, todavia, encarar as paredes solitárias do meus aposentos, sim. Luce devia estar com as outras criadas, isenta das frustrações que me afligiam. Minha identidade estava a um fio de ser revelada e se isso acontecesse, seria o fim. Tudo que fizemos teria sido por nada. Ilhures perderia sua futura monarca, Froy perderia a noiva e todas nós perderíamos a vida.
- Alteza, o que houve? - inqueriu Luce, surpresa.
- Luce, um guarda da Torre de Zéria está aqui, ele me ameaçou - disse, ofegante - O nome dele é...
- Harry? Harry está aqui?
- Você o conhece?
- Claro que sim, ele era o namorado da princesa.
Com aquilo tudo estava respondido. Claro que Harry soube que tudo isso era uma farsa. Ele sabia quem era a verdadeira Celeste.
- Então o drama da princesa e o plebeu nos atingiu justamente agora? Luce aspirou.
- O amor deles foi a coisa mais linda que pude presenciar, Alteza. Ainda que fosse efêmero, cada momento que passavam juntos fazia Celeste renovar suas esperanças.
- Mas ele acha que eu a matei, Luce - alarmei - Tudo que Amber precisa é de uma testemunha para me denunciar.
- Eu irei falar com ele, agora você tem outros afazeres - disse ela - Vosso noivo e a rainha a aguardam.
Quase me esquecera. Rainha por um dia.
- Então irei imediatamente, mas acho que preciso de um banho antes.
                              +++
O vestido preto que trajava era macio, leve. Os artesãos de Laios eram realmente os melhores de toda Dália. O caminho até a Sala do Trono era grande, interrupto. Eu esperava que minha batalha contra Amber fosse menos voraz perante Froy, havíamos de traçar uma trégua, o reino precisava disso. Com a morte do rei cada vez mais eminente, minha coroação como rainha de Alhures talvez antecedesse a minha como monarca absoluta de Ilhures. Uma vez adentrando na Sala, roubei a atenção de Froy, que sorriu para mim. Amber, por sua vez, forçou simpatia.
- Estávamos aguardando-a, querida.
- Espero que não os tenha feito esperar demais, Majestade.
- Você está linda - interrompeu Froy, ruborizando.
Não pude evitar ruborizar também, o que me impediu de agradecer.
- Bom, meu ofício hoje será preparar Celeste para ser a minha sucessora - sorriu ela - Você, querido, se ocupará da parte jurídica do reino, coisa que entende bem.
Froy assentiu, partindo. Depois de seu comentário, quase não conseguia me encarar. Mas sua mãe podia, e ela não tardou a me provocar.
- Tenho ciência de que você é uma rainha por direito, mas neste momento é a coroa de Alhures que pesará na sua cabeça - prosseguiu ela - Quando fui prometida a Tiberias, tinha menos idade que você quando prometida ao Froy.Foi brutal saber que casaria com um desconhecido, principalmente porque já estava apaixonada. E o pior: era por um plebeu.
Isso me fez atentar. Amber apaixonada por um plebeu? Fazia pouco menos de uma semana desde que a conheci, mas definitivamente era uma mulher de poucos sentimentos. Menos quando se tratava de Froy, claro.
- Majestade, por que está me contando isso? - indaguei - Digo, sei que não gosta de mim.
Ela riu.
- Eu não tenho motivos para gostar, não é mesmo? Você roubará de mim tudo que mais amo, tem tudo que eu jamais pude ter. Inclusive a chance, ainda que breve, de ser amada.
- Eu não entendo...
- Harry, Celeste - disse ela - Eu sei sobre o seu romance com o guarda. A verdadeira Celeste estava apaixonada, assim como eu. Mas você não é nenhuma das duas, não é mesmo? Por isso eu vou deixar claro que não quero vê-la pelos cantos com aquele plebeu, não quando meu filho aparenta estar se apaixonando por você.
- Majestade, Froy é...
- Basta. Froy é o seu noivo, honre-o. Honre-o como honrei Tiberias, mesmo que tenha ceifado meu coração no processo.
A rainha Amber não falou mais nada depois daquilo. Ela me presenteou com tiaras, vestidos, coroas, jóias, tudo para que eu usasse quando me tornasse a rainha de Alhures. O cobre predominante, o escarlate pulsante. A mulher na minha frente continuava sendo uma inimiga e uma mulher nociva, mas algo nela, um dia, foi humano. Algo que permitiu que fosse apaixonada por um plebeu mesmo tendo obrigações de uma princesa prometida. Naquele momento, ainda que contrariando todos os meus sentidos, eu me permiti sentir pena da mulher que nunca pode se casar por amor.
                               +++
Meu coração pulsava a cada guarda que passava por mim. Luce prometera conversar com seu amigo de longa data, mas e se isso não surtisse efeito? Ele ainda era uma ameaça para mim e Cameron, tal como Dom Solomon era. O homem estava de volta à Arcádia, no condado de Córdoba, onde nasceu e reside até os dias vigentes, mas voltaria. Voltaria por sua sede de ódio contra bruxas, voltaria por Cam. Por fim, meu medo se concretizou. Frente a frente, estávamos eu e Harry. Ambos imóveis, sem coragem de proferir uma palavra sequer. Ele estava diferente, seu olhar era mais terno, sereno. Nada se assemelhava ao homem que estava disposto a cortar minha garganta em troca de informações sobre a amada.
- Eu quero me desculpar pelo que aconteceu mais cedo, Alteza - disse ele - Luce me explicou o que você... O que você fez e faz por Ilhures.
- Meu nome é Catherine, Harry - disse, compadecida - E eu sinto muito por tudo que aconteceu com a princesa.
- Eu também, ela merecia muito mais do que isso - afirmou ele, as lágrimas teimosas presas - Eu queria apenas ter nascido nobre. Ou me tornado um.
Sorrio quando ele olha para mim.
- Não é fácil como parece, ainda que esteja banhada de privilégios, tenho dois reinos que pesam nos ombros - balbuciei - Fora que...
- Você é uma bruxa - sussurrou ele - Sim, Luce me contou tudo.
- Tem que prometer guardar segredo sobre isso, Harry - supliquei - A minha vida e a da minha irmã dependem disso.
- Cat, se eu quisesse entregá-la, não acha que já o teria feito?- sorriu ele de novo, ele era ridiculamente atraente - Você é Celeste de Pottier, e eu sou o seu fiel escudeiro. E serei até que a morte nos separe. Digo, não que eu vá compartilhar sua intimidade com o príncipe, mas caso você...
- Atrevido! - dou um tapa no ombro dele, arrancando uma risada de ambos. Nossos olhares se encontraram e se fitaram por alguns minutos, tempo suficiente para que eu compreendesse toda a trajetória dele até Celeste.
- Como vocês se conheceram?
- Logo quando me tornei chefe da guarda de Ilhures, o rei Augustus designou a mim a tarefa de manter sua filha exilada segura - disse ele - Eu e mais alguns homens partimos para a Torre onde se localizava Celeste e sua dama de companhia, contudo, havia algo de errado. Era como se houvessem espiões nas redondezas, e logo a segurança da princesa foi comprometida.
- Lótus? - sugeri.
Ele assentiu.
- O reino realmente está esquecido, mas jamais morto. Precisa ter muito cuidado, Alteza.
Suspirei, em concordância.
- Era tarde quando tentaram adentrar no quarto dela - continuou o guarda - Ele tentou assediá-la enquanto ainda estava dormindo, mas eu matei o desgraçado. Ela chorou a noite inteira no meu ombro, até que finalmente adormeceu novamente. Ela foi a primeira nobre a me ver não somente como uma pessoa normal, mas como o seu protetor. E aquilo foi exatamente o que me fez apaixonar-me por ela.
Sorri.
- E quanto ao príncipe, ele já é o rei da seu coração? - zombou ele.
- Froy é encantador, mas não é um romance que busco nesta corte - disse, talvez mentindo para mim mesma - Tudo que eu mais quero é tirar minha irmã daquela cela e do alcance do Inquisidor.
- Eu posso ajudá-la quanto a isso - disse ele - Como seu guarda-costa, meu nível hierárquico com os outros guardas me permite certos... Privilégios.
- Você poderia me ajudar a planejar a fuga dela? - disparei - Harry, você realmente pode fazer isso?
- Não somente posso, como vou - proferiu ele - E, além disso, posso lhe oferecer algo que tirará não só vocês duas, mas todas as mulheres inocentes das garras desse monstro.
- E o que é?
- A chance de desmarcar o Inquisidor perante toda Dália - sorriu Harry, como um menino prestes a fazer uma travessura - Iremos fazer Dom Solomon pagar por toda mulher que já queimou.

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