Chapter XVII - The Girl In The Tower

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Gosto de levantar com o sol, tanto quanto Luce desgosta. A passagem que liga meus aposentos aos corredores principais foi feita por um serviçal habilidoso, visto que é aberta dos lados. A chance de não cruzar com Harry diminuiu pela metade. Algumas passarelas se prolongam até o térreo, mas muitas se arqueiam para cima das copas das árvores, das rochas irregulares e das fontes salpicadas pela propriedade. Caso a batalha um dia bata à nossa porta, os invasores passariam por maus bocados para abrir caminho pela estrutura, armada contra eles. Apesar da floresta bem podada e dos jardins luxuosos, poucos pássaros vêm até aqui. Eles sabem do perigo. Queria ter sido tão astuta. Os criados são especialistas em ficar fora de vista, surgindo apenas quando são necessários ou quando são chamados. Nas últimas semanas, parecem quase bons demais nesse quesito. Não é difícil adivinhar o porquê. Muitos deles estão assustados com os assassinatos, com a guerra. Froy mesmo relutante, mantém canais de comunicação com o general Humble para quaisquer atualizações de um possível levante dos soldados de Lótus. Por enquanto, o inimigo está quieto. Mas todos sabemos que isso não irá durar. Mirtes espera na galeria, o amplo espaço na lateral da ala principal. As janelas oferecem vista em todas as direções, estendendo-se pelos vários quilômetros da propriedade. Nos dias mais claros, dá para ver os campos de cevada a oeste, mas as nuvens estão baixas ao longe, conforme chuvas de primavera correm por toda a extensão do rio que se espalha pelo vale. A leste, colinas se estendem, cada vez mais altas, até se tornarem montanhas azul-esverdeadas. O brilho de Jadis. A região é, na minha opinião, o pedaço mais bonito da Dália. Mirtes certamente parece uma princesa, a herdeira do trono de Arcádia. Ela veste preto, o que destaca suas madeixas vermelhas. Eu visto prateado em vez de preto, com botões reluzentes de aço e ônix e uma faixa escura como petróleo passando pelo ombro e chegando ao quadril. Sem medalhas ainda, ou pelo menos sem nenhuma que possa usar. Observo-a por mais tempo. Seu cabelo rubi está molhado, lambido para trás na cabeça. Está com o frescor do banho.
- Desculpe o atraso, certa dama de companhia tardou em acordar - sorrio, causando o rubor de Luce.
Elas se beijam, e é minha vez de ruborizar. É estranho ver alguém sendo feliz ultimamente.
- Cat, Mirtes sabe de uma parte da sua história - confessou ela - Deseja contar o resto?
- O que ela sabe? - tento manter a seriedade.
- Somente que você não é Celeste, o que é totalmente plausível - anunciou a princesa - Você é demasiadamente agradável.
- E Celeste não era?
- Digamos que ela sempre foi uma criança diferente.
- Pelo que Luce me disse, ela era ótima.
E foi então que Luce ruborizou ainda mais. Como eu não havia percebido antes?
- Como vocês se conheceram? - pergunto, tentando desviar do assunto.
- Nos conhecemos em Ilhures - retrucou Mirtes - Meu pai e o rei Augustus nunca foram muito próximos, mas tinham negócios. Lucinda e eu tínhamos um certo apreço pelos quartos vazios e pelas penumbras do castelo.
- É verdade. 
Os raios do sol penetram pela galeria, reluzindo nas muitas esculturas. Seguimos nosso caminho permanecendo nas passarelas externas para apreciar melhor o clima agradável. A maioria dos salões interiores dá vista para a passarela, através de janelas de vidro polido ou portas abertas para receber a brisa da primavera. Guardas protegem um deles e acenam com a cabeça quando nos aproximamos, demonstrando respeito às suas princesas. Sorrio diante do gesto, mas a presença deles me incomoda.
- E você, Catherine? - continua Mirtes - Já se decidiu?
- Ela está falando de Harry e Froy - Luce completa, zombeteira - E não fique tão surpresa, apesar de você não ter falado comigo sobre Harry, o bobão não consegue disfarçar que a ama.
- Harry é bem mais bonito, se quer a minha opinião. A única pessoa que sempre achou Froy um deus foi Ariel.
- Ariel? - franzo a testa.
- A princesa de Laios - a menção foi suficiente para fazer a princesa revirar os olhos - A desgraçada é manipuladora, esquiva. Nunca confie em nada que ela disser.
Desvio minha atenção das garotas e visualizo os portões do castelo. Froy e Harry estão partindo, rumo à Torre de Zéria. Fecho meus olhos e quando os abro, eles já foram para longe. Eu não poderia escolher entres eles. Eles eram igualmente importantes, igualmente vitais para Celeste e Catherine. Tola. Meu subconsciente alarma, deixando claro o que eu mesma já sabia: uma hora ou outra, eu teria que escolher. Mesmo que uma parte do meu coração morresse com isso.
                             +++
Harry.

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