Celeste Maria de Pottier, princesa de Ilhures. Filha do rei Augustus de Pottier e da duquesa Diane de Lurton.
Meu novo nome ecoa em minha cabeça enquanto as criadas me preparam para a reunião iminente. As três trabalham com rapidez e eficiência, nunca conversam. Também não fazem perguntas, embora devam ter vontade. Não fale nada. Elas não têm autorização para conversar comigo, e com certeza não têm autorização para falar sobre mim com ninguém. Nem sobre as coisas estranhas que com certeza notam. Por muitos e agonizantes minutos elas tentam me tornar apropriada: tomo banho, me vestem, me transformam na bonequinha que devo ser. O pior é a maquiagem, especialmente o produto branco e grosso que aplicam à minha pele. Usam três potes para cobrir o rosto, o pescoço, o colo e os braços com esse pó úmido e brilhante. Ao me encarar no espelho, fico com a impressão de que todo o calor foi sugado de meu corpo, como se o pó ocultasse a temperatura da minha pele. A nova pele pálida, os olhos e lábios escurecidos me dão um ar frio, cruel, uma lâmina viva. Pareço nobre. Pareço Amber. E odeio isso. Quanto vai durar? Estou prometida a um príncipe. Soa loucura até em pensamento. Quando as criadas me pegam e me enfiam num vestido de gala, tenho a sensação de ser um cadáver vestido para o funeral. Sei que não estou longe da verdade. O Inquisidor estava de volta à Alhures, pronto para matar. Algo vai acontecer, um acidente talvez. Uma mentira me levanta e, um dia, outra vai me derrubar. Por quanto mais tempo manteria meus poderes ocultos? O vestido é de tons de cinza escuro salpicados com prata, todo feito de seda e bordados. Todos os reinos têm uma cor. A imagem do arco-íris de famílias me vem à mente. Olho para trás e dou com as criadas curvadas em reverências idênticas. De pé, diante delas, está Froy. De repente fico feliz com o fato de a maquiagem cobrir o vermelho das minhas bochechas. Com um movimento rápido da mão ele as dispensa, e elas correm do quarto como ratos fugindo do gato.
- Sou meio nova nessa coisa de realeza, mas não sei se você deveria estar aqui. No meu quarto. O que a rainha pensaria disso? - digo, forçando o máximo de desdém que consigo na minha voz. O príncipe dá uns passos em minha direção enquanto eu, por instinto, dou um passo para trás. Meus pés enroscam na bainha do vestido e tenho que escolher entre ficar parada ou levar um tombo. Não sei o que desejo menos.
- O que minha mãe pensa não me importa muito no momento, mas vim pedir desculpas pelo comportamento dela, algo que não há como fazer durante uma audiência com Dom Solomon - afirmou ele - E também convidá-la para um passeio nos campos de lavanda.
Um músculo se contrai em seu rosto. Froy me examina com o olhar, talvez tentando não morrer de vergonha por estar sendo cortez.
- Vossa Alteza está deslumbrante - continua ele, sincero.
- Não há pelo que se desculpar, Froy. Quanto ao elogio, bom, as meninas fizeram realmente um trabalho excelente - sorrio - Eu acho tentador o seu convite, mas... Não temos compromissos com a corte?
Cruzo as pernas tentando não transparecer meu nervosismo.
- Sim, claro. Tolice minha - disse ele, cabisbaixo - Vejo-a mais tarde?
- Claro, Froy.
Quando ele saiu, Luce entrou. Estava muito bem vestida, seu penteado destacando suas madeixas.
- Cat, preciso de sua ajuda com o Harry - alarmou ela - Ele está determinado a descobrir quem foram os assaltantes.
- Ele é louco? Qualquer atitude suspeita e ele é preso - bufei, nervosa - Mande-o ir ao meu encontro na Praça de Amber.
Ela assentiu, partindo. Dei uma última olhada no espelho. Celeste estava verdadeiramente deslumbrante, Catherine, no entanto, gritava desesperadamente para sair de toda aquela moldura a que fora aprisionada.
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Enquanto esperava Harry, pude observar as inúmeras torres e paredes que o castelo de Alhures possuía. A Praça de Amber era um anexo verdadeiramente vantajoso, visto que gozava de uma vista estratégica da área e a da melhor brisa campestre. Os guardas que observo pelo canto do olho são um lembrete constante da minha nova posição. Sou quase uma rainha, noiva do solteiro mais cobiçado do reino. E sou uma mentira. Harry se aproxima lentamente, vestido dignamente como o guarda-costa que é.
- Que sandice é esta, Harry? - esbravejo, possessa - Você é um estranho na corte, e esse tipo de comportamento pode lhe custar a liberdade.
- Cat, eu terei cuidado, prometo - diz o guarda, a súplica explícita em sua voz - Mas não posso deixar o assassinato de Celeste impune. Sim, assassinato. Não foi uma casualidade.
O comentário de Harry me faz tremer. Quem poderia tentar matar uma princesa exilada?
Conforme os sinos anunciam a chegada do meio dia, Harry e os outros guardas escoltam até o banquete, tento me manter serena. Cam seria interrogada mais uma vez, agredida mais uma vez. Eu não podia permitir que isso acontecesse novamente.
- O que conseguiu reunir sobre o Inquisidor até agora? - indago, atenta.
- Tenho relatos de sua temporada em Ilhures - disse ele - Pelo que minha fonte relatou, Solomon assassinou um grupo de feiras que presenciaram...
- Presenciaram o quê, Harry? - pressiono.
- Que presenciaram-no abusar sexualmente de uma mulher acusada de bruxaria - ele fecha os olhos, em repulsa - Não sei exatamente o nome ainda, mas o rei Augustus deixou o inquérito aberto até os dias vigentes. Com essa prova em mãos, Cat, podemos desmascará-lo.
- E então só precisaremos da ocasião - sorrio - Perfeito, Harry. Agora ache Luce, fique com ela. Vou encarar os meus dragões.
- Boa sorte, Alteza - zombou ele, partindo.
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Sobrevivo ao banquete: olho sem ver, ouço sem escutar. Até a comida — mais comida do que já vi em toda a minha vida — não tem graça na minha boca. Eu deveria estar enchendo a barriga, aproveitando a melhor refeição da minha vida, mas não consigo. Não consigo sequer falar quando Luce vem cochichar com sua voz calma e equilibrada para me reconfortar.
- Princesa Celeste - sorri o Inquisidor, frio - Soube que vosso pai está adoecendo. Presumo que vá visitá-lo em Ilhures.
- Não será preciso, Eminência - retruca Amber, cortando-o - O baile real está chegando, obviamente está convidado. Finalmente apresentaremos nossa futura rainha para toda a Dália.
Só precisaremos da ocasião.
- É uma ideia fantástica, Majestade - digo, sorrindo - Poderei rever meu pai e conhecer toda a extensão nobre da Dália. Quando ocorrerá?
- No fim do mês, querida - disse ela.
- Perfeito, não tenho planos futuros - Dom Solomon respondeu, bebendo mais um gole do vinho e do meu ódio - Será um enorme prazer desfrutar da hospitalidade de Alhures mais uma vez.
- Vossa Eminência poderia descrever qual a situação em Ilhures? - indago, frívola - Soube que ocorreu um assassinato em massa de freiras.
O rosto do caçador de bruxas se fechou. Era minha vez de beber um pouco do vinho.
- Vejo que Vossa Alteza é uma mulher muito bem informada - prosseguiu ele.
- Muito, Eminência. Tanto, que como futura monarca de Ilhures, não descansarei até que o responsável seja devidamente castigado - enrolo uma mecha do meu cabelo no dedo - Conto com sua colaboração para tal.
Froy tenta não gargalhar, sem sucesso.
- Perdão, lembrei agora que minha noiva e eu temos assuntos pendentes - ele se levantou - Querida, podemos?
- Nada me deixaria mais feliz, querido - profiro, sorridente - Com vossa licença, Majestade. Eminência.
De braço dado com o futuro rei, parto do salão deixando duas víboras degustarem do próprio veneno.
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Meu passeio com Froy nos campos de lavanda fora breve devido às suas obrigações como príncipe herdeiro. Entretanto, aproveitei o tempo restante para arriscar uma visita nas masmorras. Diferentemente da primeira vez, entrar na cela de Cam não foi em nada complicado. Ela ainda estava lá, um pouco mais sadia do que a última vez.
- Cat - suspirou ela, feliz - Pensei que fosse...
- Dom Solomon? - sugeri - Não se preocupe, esse monstro não vai encostar em você novamente.
- Irmã, tenha cuidado - alertou - Você precisa manter sua identidade, e despertar a ira de Solomon não é a melhor coisa a se fazer.
- Eu sei, mas não é sobre ele que vim falar - a abracei - Eu e alguns amigos estamos planejando a melhor oportunidade de tirar você daqui do castelo e possivelmente de Alhures.
- Mas para onde iríamos? - indagou ela, calando ambas.
E eis a problemática da situação. Eu era uma princesa agora, não podia mais sair mundo afora como se nada tivesse mudado. Na verdade, tudo havia mudado.
- Você não vem, não é?
- A princípio, não. Mas prometo que não sumirei por muito tempo, você ainda me verá muito, irmãzinha - ri, as lágrimas ameaçando cair - Você conhecerá um amigo meu chamado Harry, pode confiar nele.
- Seu namorado?
- Cam!
Ruborizei, mas não deixei que ela notasse.
- Quando isso acontecerá? - prosseguiu ela.
- No fim do mês - afirmei - A Guarda Real e os olhares de todos estarão fixos no baile. É exatamente a oportunidade que precisamos para tirá-la daqui em segurança.
- E para onde irei? - disse ela - Se não irei mais permanecer em Alhures...
- Estou considerando mandá-la para Ilhures, terra natal da princesa que estou usurpando - suspirei - Não é o melhor lugar no momento, mas lá ninguém a conhece. Ademais, posso tentar conseguir para que fique no castelo.
- Só não se arrisque demais, tudo bem? - implorou ela, sua voz genuinamente preenchida de medo - Não cause sua morte tentando evitar a minha.
- É o que farei, irmãzinha.
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Depois de tanto tempo contando os minutos até a meia-noite, entro em desespero. É claro que Harry não pode chegar até aqui. Nem mesmo ele é tão talentoso. Mas esta noite, quando os ponteiros se juntam no número doze, não sinto nada pela primeira vez desde a minha chegada no palácio. Ligeira, calço as botas — já gastas por semanas de uso — e caminho para a porta. Mal ponho o pé no corredor e Luce já está ao meu lado. Suas palavras soam rápidas e calmas enquanto ela me conduz através da escuridão proposital. Nossa sala de reunião está com um único lampião e Harry já está a nossa espera.
- Senhoras - diz ele, risonho.
- Sem piadinhas, Harry - disse Luce, ríspida.
- Mil perdões, senhora dama de companhia.
- Parem, os dois - resmungo - Harry, você tem tudo planejado?
Ele lança o sorriso travesso mais uma vez.
- Claro, Cat. Tiraremos sua irmã daqui na noite do baile, eu prometo - disse ele - E, de brinde, presenciaremos a queda do Inquisidor.
- Sinceramente, eu temo o que este baile pode trazer de consequências para você, Cat - disse Luce - Parece que quanto mais próxima do perigo você está, mais presa você fica.
- Luce não está errada - continuou o guarda - Dom Solomon me procurou hoje, após o banquete.
- O que ele queria?
- Apenas fez algumas perguntas. Como por exemplo, se eu havia notado algum comportamento estranho da princesa.
- Ele não confia em mim, ele sente que eu sei de algo - disse - É exatamente como quero que ele se sinta. Encurralado, enjaulado.
- Não se preocupe com o Inquisidor, Alteza - disse Harry - Preocupe-se com Cameron.
- Eu vou tentar visitar vossa irmã com mais frequência, para prepará-la - disse Luce - Também com isso evito a desconfiança da rainha e de Solomon.
- Então está tudo sendo encaminhando para o sucesso - sorri - Na noite do baile, Dom Solomon pagará por todos os seus crimes e Cam sairá do castelo ruma à liberdade. Nada pode falhar.
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Alhures (#1)
Ficción históricaEnquanto o reino de Alhures está tomado pela Peste Negra, uma caça incessante pelas bruxas se inicia, levando Catherine e sua irmã menor, Cameron, a se refugiarem na floresta para evitar desconfiança. Entretanto, quando Cameron é capturada pela Guar...