Chapter III - Long Live The King

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As minhas pálpebras apertadas tremeram, mas meus olhos não chegaram a se fechar por completo. Minha boca estava seca, contudo, não conseguia passar a língua nos lábios. Desde o momento que Dom Solomon anunciou para mim que o rei de Ilhures estava vindo, qualquer um que me dirigisse a palavra — por sorte, quase ninguém —  recebeu o mesmo tratamento. Ouvia-me respondendo, mas não era eu, Catherine, tampouco Celeste, quem estava pensando, quem respondia. Era outra, a quem escutava à distância, em uma voz vinda do meu subconsciente. A noite não fora muito mais tranquila que as outras. Apesar do luxo e conforto, os meus demônios continuavam os mesmos. Ferozes, inquietos.

Com a vinda do rei até Alhures, a minha identidade como Celeste estava mais comprometida do que nunca. Dom Solomon estava, neste exato momento, interrogando Cam e eu não poderia impedir. Quem sabe qual método bárbaro o Inquisidor utilizava para arrancar a verdade que não existia. Conformada, levantei-me em silêncio. Meu roupão arrastava no chão, gozando o excesso de pano que possuía. Pano esse que evitaria que um plebeu morresse de hipotermia no frio do inverno. Uma vez percorrendo os corredores do castelo, orei silenciosamente para que não houvesse protocolos proibindo-me. 

Consegui ver de relance o príncipe Froy, que passeava a pé por entre o arvoredo. Sua faceta, no entanto, era adversa a que apresentou-me mais cedo. O rosto do rapaz estava contorcido, como se estivesse em uma dor genuína. Rapidamente, ele sumiu do meu campo de visão. Quando se começou a ouvir, muito ao longe, um ruído que ia aumentando, misturado com gemidos intercalados, senti uma tremura esquisita por toda a minha pele. Froy estava gemendo de dor. Ignorando etiqueta, corri até onde o futuro rei de Alhures estava caído.

— Froy, o que houve? - balbuciei, nervosa.

— Minha mãe... - ele começou, mas não terminou a frase devido ao novo gemido de dor. Ele literalmente urrava - Chame a minha mãe, Celeste. Diga que... Diga que aconteceu de novo.

— Não precisa, meu filho - impôs-se Amber - Sua mãe já está aqui.

Esgueirando-se como uma raposa, a rainha de Alhures se aproximava do príncipe como um soldado na frente de batalha. Hesitante, em alarme.

— Majestade, o que ele tem? - indago.

— Meu filho sofre de um mal que não tem cura, sequer tem uma data para lhe causar essa condição de puro sofrimento - disse a rainha - Seu futuro marido, Alteza, é um homem condenado à morte. E quando isso acontecer...

Froy estava inconsciente, provavelmente devido ao alto índice de dor que lhe fora infligido.

— Tudo que você poderá fazer é contemplar.

Engoli em seco. Não podia rebater. Meus argumentos, minhas perguntas, meu sofrimento... Tudo fora posto debaixo da terra. O que eu sabia sobre meu noivo? Sobre suas dores, dúvidas, amarguras? Nada. Mas isso que eu acabara de presenciar não desejaria nem ao meu pior inimigo, nem mesmo à uma alma tão boa quanto a de Froy. Uma maldição que está no meu sangue. Pelo visto, era de fato verdade. Fechei os olhos, afastando-me de Amber e do seu filho.

No meu caminho de volta ao quarto, lágrimas desceram como ácido pelos meus olhos, corroendo de dentro para fora. Essa era a doença misteriosa, a que ninguém falava, a que não era de cunho popular. De volta aos meus aposentos, dormir pareceu algo fácil a se fazer. Eu esperava somente que para a rainha e o meu noivo fosse igual. 
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As aulas de história eram fascinantes, na verdade. A geografia, no entanto, era um tanto exaustiva. Conhecer os oito reinos da Dália, todavia, era obrigação de uma futura monarca. Principalmente a monarca de dois reinos. Ao Norte, localizavam-se dois desses reinos. Alfambres, terra natal da rainha, e Arcádia. Ambos os reinos gelados. Sua principal fonte de renda era o acesso à água. Os dois eram representados pela cor azul, com suas respectivas tonalidades. No Oeste, tínhamos Lótus, hoje em desgraça, e Alhures. Meu lar. A principal fonte de renda dos reinos, respectivamente, era a agricultura e o minério. Verde e cobre. Finalmente, o Sul. Ilhures, terra natal de Celeste e o reino de Laios. Preto e cinza. A renda desses dois eram completamente distintas, pois como Laios se localizava no extremo sul, ficou com a parte gelada da região.

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